O governo federal quer investir mais para tentar dar um empurrão no PIB. Projetos ruins, gestão ineficiente, burocracia e falta de diálogo entre os órgãos públicos atrapalham esse plano
São Paulo - Estão em Belém os dois únicos projetos de saneamento básico da Região Norte do país incluídos no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Eles foram assinados em 2008, mas até hoje não saíram do papel. Dinheiro para a obra nunca chegou a ser problema.
O que faltou foi um entendimento entre os próprios beneficiados pelo projeto. A liberação dos 55 milhões de reais previstos para as obras dependia de um acerto da prefeitura de Belém com a Companhia de Saneamento do Pará na renovação do contrato de concessão do abastecimento de água da cidade.
O acordo demorou mais de um ano e, quando saiu, em março, a licitação para as obras precisou ser cancelada porque o projeto estava defasado e incompleto. Belém tem o pior saneamento básico entre as cidades brasileiras com mais de 1 milhão de habitantes.
Segundo o IBGE, pelo menos um terço da população não sabe o que é ter rede de esgoto em casa. Episódios como esse, infelizmente, não são raros na tragicomédia em que se transformaram os projetos de obras públicas no país.
Preocupado com a desaceleração da economia, o governo federal agora tem pressa em aumentar o dinheiro destinado a obras de infraestrutura. “Vamos acelerar os investimentos e não haverá contingenciamento das obras do PAC”, disse Arno Augustin, secretário do Tesouro Nacional, quando prestou contas, em 12 de junho, na Comissão de Orçamento do Congresso.
Entre a meta do governo e a realidade, porém, há milhares de exemplos como o de Belém. Entre 2001 e 2002, a média dos investimentos do governo correspondeu a 1% do PIB brasileiro (o número exclui os aportes das estatais). Entre 2010 e 2011, a média foi de apenas 1,2%. Nesse mesmo período, o valor à disposição do governo para investimentos saiu de 1,7% para 2,5% do PIB.
A lista de desacertos na gestão de obras públicas está recheada de exemplos pitorescos e desconcertantes, muitos deles produzidos pelas próprias empresas. Um relatório ambiental considerado incompleto pelo Ibama, feito pelo consórcio formado por Votorantim, Alcoa e DHE Energia, emperra há cinco anos a construção da hidrelétrica Pai Querê no rio Pelotas, entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Entre os pontos levados em consideração para o pedido de revisão estava a ausência de animais que vivem na área da obra. O consórcio admitiu os problemas e fez as retificações — até o sapo-de-chifre foi descoberto nas novas pesquisas. O novo documento já está com o Ibama, mas, até que o órgão dê sinal verde, o investimento de quase 1 bilhão de reais continua represado.
Curiosamente, na primeira versão do relatório, o consórcio incluiu um animal, o morcego-orelhudo, que, segundo o pesquisador Marcelo Mazzoli, da Universidade do Planalto Catarinense, não existe na área.
O acúmulo de projetos retidos explica o aumento exponencial dos chamados “restos a pagar”, recursos já disponíveis para investimento, mas que acabam não chegando aonde deveriam. O governo começou 2012 com mais de 51 bilhões de reais em sobras dos anos anteriores.
Com essa bolada, seria possível fazer todas as obras de estádios, mobilidade urbana, aeroportos e telecomunicações previstas para a Copa de 2014 e ainda restariam 24 bilhões de reais. “Está muito claro: não falta recurso”, diz Mansueto Almeida, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. “Falta é saber gastar.”
O governo informa que seus investimentos cresceram em 2012 — um alento nesse cenário no qual a urgência de investimentos convive com a sobra de dinheiro. Entre janeiro e maio, foram investidos 26,3 bilhões de reais, segundo o Sistema de Administração Financeira. O montante é 29% maior que o do mesmo período de 2011.
Ocorre que esse aumento está ligado a um malabarismo contábil. Até 2011, o subsídio ao financiamento dos imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida não era registrado como investimento. Em 2012, a regra mudou — e, como num passe de mágica, a queda nos investimentos foi convertida em alta. Se a regra de 2011 tivesse sido mantida, os investimentos teriam recuado 4%.
A lista de problemas que emperram os investimentos no país reúne velhos conhecidos. A demora na liberação das licenças de órgãos ambientais é um deles. “O prazo para as licenças são longos e emperra um projeto por meses”, diz Pablo Sorj, sócio da área de infraestrutura do escritório de advocacia Mattos Filho.
A corrupção drena outro tanto da força econômica do país — foram 40 bilhões de reais surrupiados nos últimos dez anos, segundo estimativas do economista Marcos Fernandes da Silva, da Fundação Getulio Vargas. Uma fraude cancelou a obra da linha do veículo leve sobre trilhos (VLT), que ligaria o aeroporto de Brasília aos hotéis próximos do estádio que receberá os jogos da Copa.
O VLT era uma das seis obras de um projeto do governo de Brasília que incluía a duplicação de uma rodovia. Como todos estavam no mesmo pacote, a suspensão paralisou os seis projetos.
Mas fica claro que há um mal adicional: a falta crônica de gestão. Em 2009, o questionário de avaliação do plano plurianual do governo federal, enviado aos gestores de obras públicas, incluiu a pergunta: “Por que você não investiu todo o recurso disponível?”
Entre todas as respostas, uma das mais honestas foi a dos responsáveis pela transposição do rio São Francisco, uma das obras mais caras em andamento, no valor de 8,2 bilhões de reais. Os gestores disseram que problemas de comunicação com o próprio governo e as recorrentes trocas na equipe de gerentes tinham sido as causas dos atrasos.
Nenhuma menção foi feita à falta de dinheiro. Não era o caso — mesmo que o orçamento para a transposição fosse zero neste ano, a obra poderia usar 1,6 bilhão de reais de sobras dos anos anteriores.
“Por muito tempo, investia-se pouco porque o governo não tinha dinheiro. Agora há recursos, mas falta competência”, diz Geovani Fagunde, sócio da consultoria PricewaterhouseCoopers em Brasília. Com a palavra, os gestores públicos.
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