segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Desafios do orçamento participativo enquanto modelo de planejamento compartilhado


Tamara Ilinsky Crantschaninov

                É através da analise do orçamento de um município que ficam claras quais são as prioridades de seu governo.  A Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Leio Orçamentária Anual – LOA contratualizam, entre Estado e sociedade, quais serão os programas e ações implementados, conforme enunciado pela Constituição Brasileira de 88, em seu artigo 165. Foi também através desde mesmo artigo que se estabeleceu a idéia do orçamento-programa, pelo seu parágrafo 1º: “A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada”; e 2º: “A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento” (Constituição Federal, 1988).
                Além de estabelecer estes novos modelos de planejamento orçamentário e de ações públicas, a Carta de 88 também marcou o início da nova fase democrática do país, tendo como fundamento, em diversas áreas (Art. 29, XII e XIII; Art. 198, III; Art. 204, II), a participação social, para uma gestão eficaz e condizente com as necessidades locais. A partir deste marco, assistiu-se a propagação de conselhos setoriais, conferências, revisões de plano-diretor, enfim, diversos instrumentos que permitem a efetivação desta diretriz. Entre eles, surgiu também a idéia de Orçamento Participativo – OP, consagrado pelo município de Porto Alegre como uma nova forma de planejar as contas da cidade. Através de plenárias (definidas por região ou por política setorial), todos os munícipes têm a possibilidade de expressar, através do voto, sua opinião sobre as prioridades que devem constar nos planos orçamentários. Apesar de todos terem a chance, as plenárias muitas vezes são esvaziadas pelo desestímulo tipicamente brasileiro à participação. Além disso, os grupos mais organizados têm maior probabilidade de eleger suas demandas, exatamente por seu aparelhamento. Ou seja, todos podem opinar, mas quem garante sua demanda nem sempre é quem mais precisa do auxílio governamental. Nas plenárias também são eleitos conselheiros, que posteriormente às reuniões definirão quais das demandas levantadas constaram de fato nas Leis de Diretrizes Orçamentárias.
                Apesar de ser um modelo inovador de aproximação entre sociedade e Estado, apontado invariavelmente como capaz de redistribuir o poder entre a população, o OP, o método ainda precisa desbravar inúmeros desafios. Seus obstáculos se relacionam, principalmente, com questões históricas de concentração de poder nas mãos de poucos, e num Estado tradicionalmente apático às movimentações sociais. Assim, é preciso questionar como o OP se coloca como avanço democrático factualmente. Afinal, quanto poder é delegado? Quem exerce este poder?
                  Primeiramente, é questionável a quantia posta em deliberação através do OP, que varia de localidade para localidade. Estudo do Fórum Nacional de Participação Popular, em 2004, admitiu que na maior parte dos casos, o valor deliberado não alcança 10% do orçamento disponível. Assim, a política funciona mais como um articulador de debate entre a população do que como uma forma de empoderamento. Mesmo com poucos recursos sendo debatidos, a discussão por si só já pode ser considerada um avanço democrático. Contudo, não se pode considerar que a população esteja, de fato, planejando o futuro da cidade através do Orçamento Participativo, quando o valor colocado para discussão é ínfimo.
                Além deste ponto, outro aspecto pode ser analisado: a recepção do Poder Municipal frente ao OP. Para prover alguém de poder, é preciso retirá-lo de outro. Considerando que, tradicionalmente, é papel do Poder Executivo enviar a LDO para ser aprovada à Câmara, este ente perde “forças”, enquanto Estado positivo,  quando colocado frente à decisão popular sobre o orçamento. Esta resistência governamental também pode estar expressa no ponto citado anteriormente, quando poucos recursos são disponibilizados para discussão.
Abrir mão do poder, no Brasil, é redefinir a dialética Estado-sociedade, sendo, acima de tudo, uma mudança de cultura política, e não somente institucional, como no caso do OP. Apelar para a voz direta da comunidade ainda pode ser considerado uma afronta direta aos negócios habituais dos quais trata o Estado. Dessa maneira, ainda não é possível dizer que o OP realmente dá acesso total e qualificado à população ao orçamento público, e, conseqüentemente, sobre a gestão dos programas nele previstos. Para que tal feito seja possível, é necessário um movimento duplo: da população em busca de um maior controle social, e também do governo em cumprir intensamente o proposto no parágrafo único do 1º artigo constitucional: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

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Tamara Ilinsky Crantschaninov
Gestão de Políticas Públicas
Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Universidade de São Paulo

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