Erika Pereira Zsoldos
Aluna do curso de Gestão de Políticas Públicas – EACH/USP
5° Semestre
Direito Financeiro
Prof. Dr. Marcelo Nerling
LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL: MECANISMO PARA O CONTROLE SOCIAL E ADMINISTRATIVO DA GESTÃO PÚBLICA FISCAL
O processo democrático brasileiro aumentou a participação social no país e tornou a sociedade mais exigente em relação à conduta daqueles que governam o Brasil. Não se toleram mais administradores irresponsáveis que utilizam os recursos públicos de forma ilegal ou ineficiente, sem serem responsabilizados por isso, ou que não são capazes de atender às demandas sociais vigentes. A população reclama pelo direito de controlar e fiscalizar as ações dos governantes, numa gestão transparente, que obedeça aos princípios - legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência – que regem a administração pública brasileira.
Nesse sentido, para satisfazer certas exigências sociais, modificar a postura dos governantes, assim como promover uma mudança cultural na gestão pública em si, é que surge a Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000.
A LRF – Lei Complementar n°101, de 4 de maio de 2000 – visa a regulamentar a Constituição Federal na parte da Tributação e do Orçamento (Título VI), cujo Capítulo II estabelece as normas gerais de Finanças Públicas a serem respeitadas pelos quatro entes da federação: União, Distrito Federal, Estados e Municípios. Em particular a Lei de Responsabilidade Fiscal vem regimentar o artigo 163 da Constituição Federal de 1988.
Essa Lei foi um marco na gestão pública na virada do século XX, trouxe um impacto tão grande quanto a Lei n°4320/64. Deixando claro que a LRF não revoga a Lei n°4320/64. Os objetivos dessas normas são diferentes: enquanto a primeira estabelece as regras de finanças públicas voltadas para a gestão fiscal, a segunda estabelece as regras gerais para a elaboração e o controle dos orçamentos e balanços. No entanto, a Constituição Federal deu à Lei n°4320/64 o status de Lei Complementar. Mas existindo algum dispositivo conflitante entre as duas normas jurídicas, prevalece a vontade da Lei mais recente, no caso, a LRF.
De acordo com o Guia de Orientação para as Prefeituras, produzido pelo BNDES, que trata da aplicação da LRF nos municípios, o principal objetivo dessa Lei é "aprimorar a responsabilidade na gestão fiscal dos recursos públicos por meio da ação planejada e transparente que possibilite prevenir riscos e corrigir desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas". Mas por que se fala em planejamento, transparência e equilíbrio das contas públicas? O planejamento e a transparência juntamente com o controle e a responsabilização constituem os quatro eixos em que se apoia a LRF, e são o reflexo de questões da gestão fiscal brasileira as quais exigiam mudanças urgentes e importantes.
No país, os administradores públicos não se preocupavam com o impacto que as decisões tomadas durante seu mandato, poderiam causar nas gestões futuras. Isso acabou por resultar na prática de o administrador deixar para seu sucessor o cumprimento de suas obrigações. E quem assumia a gestão, por sua vez, não se sentia responsável pelos atos cometidos na gestão anterior. Nesse contexto, no que diz respeito aos gastos com pessoal, por exemplo, por questões políticas muitas vezes o administrador atual não demitia os funcionários da gestão anterior e sim, contratava outros que fizeram parte de sua plataforma eleitoral, fazendo com que a folha de pagamento só viesse a crescer. Além disso, outros tipos de encargos também eram repassados para os administradores futuros, sem os recursos correspondentes para honrá-los. A falta de planejamento era assim, evidente.
A questão da prestação de contas, propiciando a responsabilização (accountability) dos gestores públicos, também era algo visto como assunto só dos tribunais. A população não tinha acesso, de forma transparente e organizada, às despesas executadas pelos governantes, assim como às receitas a elas destinadas. Logo, a falta de controle era recorrente tanto por parte da sociedade, como por parte da própria administração pública, que acabava não tendo mecanismos efetivos e contínuos de controle e fiscalização.
Havia então, a necessidade de promover uma mudança cultural na gestão pública, por meio de uma gestão responsável que equilibrasse as receitas e as despesas de acordo com os recursos dentro do período de cada governo; e de introduzir a regra básica de prestar contas e tomar contas, impondo aos administradores públicos responsabilidades perante a sociedade e com os dirigentes que viessem a sucedê-los.
Assim, segundo Domingos Poubel de Castro, com a LRF "foram definidas regras, fixados limites fiscais, estabelecidos prazos para divulgação de informações e prestação de contas e exigidas novas estruturas de informações" (CASTRO, 2003). E a novidade, de acordo com o autor, é que estas regras e limites estão cobertas por sanções, caso não sejam atendidas. Sendo que existem dois tipos de sanções: as institucionais, que afetam diretamente os órgãos ou as entidades em sua totalidade, sem responsabilizar o agente público em si; e as pessoais, que afetam diretamente os agentes públicos, pautadas na Lei dos Crimes Fiscais. Essas penalidades são consideradas o aspecto mais contundente da LRF.
Por fim, sabendo que a LRF possui mecanismos concretos para a fiscalização social das contas públicas, e para a punição daqueles que não seguem as normas estabelecidas por essa Lei, resta saber se os órgãos competentes, como os Tribunais de Contas, de fato exercem um controle contínuo - aplicando as penalidades necessárias e coerentes em caso de subversão - sobre as instituições e os indivíduos que estão submetidos à LRF; e se a população em si está verdadeiramente disposta a realizar um acompanhamento efetivo da gestão fiscal pública: por meio da busca e leitura dos relatórios, observando se esses estão sendo regularmente publicados e fazendo denúncias em caso de irregularidades. Cobrando assim, o que lhe é de direito: garantir que os recursos públicos providos pela sociedade sejam realmente destinados a atender suas próprias demandas da melhor maneira possível; mas também, exercendo seu dever de cidadãos brasileiros responsáveis que participam das decisões e informam-se sobre as ações dos governantes do país.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CASTRO, D. P. Auditoria e Controle Interno na Administração Pública. Evolução do Controle Interno no Brasil: do Código de Contabilidade de 1922 até a criação da CGU em 2003. 2ª Edição. Atlas, P. 306 – 319, 2009.
DEBUS, E. R. N. I. Lei Complementar n° 101/2000: entendendo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Tesouro Nacional, 2ª Edição. Disponível em: http://www.stn.fazenda.gov.br/hp/downloads/entendendolrf.pdf Acesso em: 04/05/ 2012.
KHAIR, A. A. Lei de Responsabilidade Fiscal : guia de orientação para as prefeituras / Amir Antônio Khair. –Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; BNDES, 2000. 144p.
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