As rédeas do governo 
     De tanto ver triunfar as  nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça,  de tanto ver agigantar-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a  desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e ter vergonha de ser honesto. 
     Em uma sociedade onde a satisfação dos  desejos e das necessidades está cada vez mais condicionada à capacidade de financiá-los,  a realização de um bom governo – um que atenda as demandas dos governados –  passa obrigatoriamente por uma boa gestão e aplicação do dinheiro público.
     O conjunto de normas, que constitui o Direito  Financeiro, adquire um significado extremamente importante neste contexto por  determinar aquilo que o Estado pode e não pode fazer em relação à forma de obter, gerir e aplicar o  dinheiro público. Somente ao impor restrições e obrigações quanto ao uso do  dinheiro público é que o povo exerce um controle efetivo sobre as ações de seu  governante. Um exemplo clássico disso é a Magna  Carta de 1215: neste marco histórico na luta dos povos pelo controle sobre o  soberano; um dos artigos centrais tratava justamente da regulamentação do poder  de tributar do Rei. Assim, limitar o poder decisório dos governantes sobre os  cofres públicos tem sido historicamente uma forma eficiente dos governados  segurarem as rédeas do governo. 
     Ao contrário do que muitos podem pensar,  os gestores de políticas públicas brasileiros também estão sujeitos a uma série  de leis sobre o uso do dinheiro público, o que reduz significativamente o seu  leque de alternativas políticas. No Brasil estas normas podem ser encontradas  na Constituição Federal, na Lei 4320/64 e na LC 101/2000 (mais conhecida como a  Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF).
     É possível identificar, dentro desse  conjunto de normas, duas dimensões distintas de controle sobre a maneira dos  governantes lidarem com o dinheiro público. 
     Existem primeiro as que "moldam" ou "engessam" de antemão o caminho a ser tomado pelo gestor:  é o caso das leis que os obrigam a destinar porcentagens pré-definidas do valor  arrecadado para áreas imprescindíveis ao bem comum, como a educação (art. 212  da CF) e a saúde (LC 141/2012); ou as normas que determinam limites para os  gastos com pessoal, a fim de garantir que a manutenção da máquina estatal não  se torne um fim em si mesmo (art. 19 da LRF); a obrigação de gastar seguindo um  planejamento previamente elaborado (art. 165 e 167 da CF); a impossibilidade de  contrair dívidas além de um certo limite (LRF) e etc. Apesar destas obrigações já  estarem claramente registradas nos artigos da Constituição de 1988 (art. 37 que  trata da "moralidade" e da "eficiência" com a qual devem atuar os  administradores públicos; e art. 167 e 169), somente com a promulgação da Lei  de Responsabilidade Fiscal no ano 2000 é que o país tem se aproximado efetivamente  de uma cultura de responsabilidade e austeridade fiscal.
     Além destas, existem as leis que obrigam o  administrador público a prestar contas a respeito de cada passo que ele decidiu  tomar dentro deste "caminho já parcialmente engessado", colocando-o assim a  mercê do controle social. É como se fosse um segundo controle dentro de um  caminho já controlado. Esta segunda dimensão de controle, também prevista na  Constituição (parágrafo único do art. 70) vem sendo tomada cada vez mais a  sério após a ratificação da LC 101/2000. Hoje, a lei determina que os balanços,  os orçamentos, e o registro das despesas estejam todos disponibilizados  regularmente (inclusive na internet), de forma clara e inteligível para todos  (art. 48 e 49 da LRF), sob pena de sanção. 
     Graças a essas duas dimensões distintas de  controle, presentes no Direito Financeiro, e reforçadas nos últimos anos pela  LRF, ficou cada vez mais difícil ao gestor gastar o dinheiro dos cofres  públicos de uma forma contrária à vontade do povo, ou fazê-lo e sair impune. Infelizmente,  enquanto as pessoas se mostrarem menos responsáveis e preocupadas quando estão  lidando com aquilo que não lhes pertence; estas leis continuarão sendo necessárias.  Afinal, como já dizia Madison: Se os  homens fossem governados por anjos, o governo não precisaria de controles  externos nem internos.
Artigo  do aluno Jocelyn Lepelletier do 5º semestre de Gestão de Políticas Públicas, elaborado  para a conclusão da disciplina de Direito Financeiro, ministrada pelo Prof. Dr.  Marcelo Arno Nerling.
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abraço, 
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