domingo, 20 de novembro de 2011

 O Poder Judiciário no Redesenho Institucional Brasileiro

Disciplina Poder Judiciário: Prof. Dr Gustavo Bambini - 2011/2

Rafael Prado Celso
N° USP 6409945


Quando se fala de “Poder Judiciário” é bastante válido entender quais são seus principais objetivos e órgãos acessórios responsáveis pelo exercício deste poder. Como bem expressa o STJ (2011)1, o Poder Judiciário visa garantir os direitos individuais, coletivos e sociais além de resolver conflitos entre cidadãos, entidades e estado. Para isso, tem independência e autonomia administrativa e financeira garantidas pela Constituição Federal. A partir de seus objetivos, é possível identificar pontos de grande importância, que frente a um rol de processos legais e administrativos visam manter a ordem da sociedade.
Para tanto, os órgãos responsáveis por tais objetivos (desde a esfera federal à municipal) são: Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunais Regionais Federais (TRF), Tribunais e Juízes do Trabalho, Tribunais e Juízes Eleitorais, Tribunais e Juízes Militares e os Tribunais e Juízes dos estados e do Distrito Federal e Territórios. (STJ, 2010)
Historicamente, a criação do STJ em 1988 urge, sobretudo, como marco de uma série de debates políticos e acadêmicos, mas cujo objetivo era aliviar a carga de processos existentes no STF. Como reitera Lima (2000)2, a partir da lei n.º 7746 de 30/03/88 o STJ substituiu o Tribunal Federal de Recurso englobando parte da sua competência destinada a decisões estaduais e federais e ficando com a responsabilidade de uniformização de interpretação do direito federal em todo território nacional. Cito toda esta estrutura, pois, pensar em redesenho institucional no Brasil a partir do poder judiciário implica um conjunto de ações podem afetar direta e indiretamente o modelo de operação destes órgãos, como as decisões são tomadas e conseqüentes reflexos na sociedade. Esta transição histórica ocorrida em 1988 é apenas um exemplo destes redesenhos institucionais, que por ventura, possui acentuado caráter estrutural.
Apesar das manobras de outrora, as demandas processuais são crescentes e quando trazemos esta discussão para a atualidade é sabido que o excesso de trabalho exercido pelo Poder Judiciário é uma das principais causas da morosidade no exercício da justiça brasileira que, muitas vezes, gera inconsistências para alcançar seus objetivos estratégicos. É neste sentido que, grosso modo, frente à necessidade de maior operacionalidade e dinamicidade do Poder Judiciário, impulsiona-se um rol de “reformas” constitucionais com o objetivo de garantir maior flexibilidade no exercício das atividades do Poder Judiciário. A EC n° 45 de 2004 é o principal propulsor destas medidas trazendo significativas mudanças no poder Judiciário e consequentemente para o redesenho institucional brasileiro.
Antes de adentrarmos aos aspectos de redesenho institucional, é importante reiterar a fala do ministro Arnaldo Estevez Lima: “É fundamental mudança de comportamento, sobretudo cultural, na aplicação das normas jurídicas, sem o que dificilmente qualquer reforma, por mais bem elaborada que seja, dará bons resultados”. (LIMA, 1998)3
Reitero esta fala, pois, para além da morosidade técnico-operacional e técnico-burocrática, o fator humano-comportamental-cultural presente nestas instituições não pode ser deixado de lado. Dentro da própria teoria das organizações, é explicito que instituições são dotadas de valor e este valor não pode ser ignorado ao longo destes processos de mudança, reengenharia, reforma, ou seja, lá qual for a termologia. O sistema se vê engessado em diversos ângulos, para que a EC n°45 fosse promulgada se passaram 13 anos de tramitação, em que se pode destacar – fortemente – debates de cunho ideológico-cultural (o que não significa má fundamentação de seus pontos de vista) avessos à medida. Enfatizo que, mesmo legítimo, o conservadorismo e resistência cultural é um dos fatores que na perspectiva legal-racional pode gerar disfunções pejorativas quando em excesso.
Desta forma, retomando a discussão anterior e já exemplificando, a necessidade e efetivação destas reformas e redesenhos institucionais são decorrentes da criação de razões e incentivos para que as mudanças possam acontecer. Um dos principais pontos da EC n° 45, compete a criação da súmula vinculante em 30 de dezembro, cuja razão vai ao encontro de resolver o problema invocado pelo Prof. e Procurador geral da República, Geraldo Brindeiro4:

[.,.] cerca de metade dos processos em andamento nos tribunais diz respeito a questões já decididas que não podem ser "estendidas" aos interessados em situação absolutamente idêntica. E, o que é mais grave, a maioria envolve o próprio Estado como sucumbente, do qual o Judiciário faz parte, sendo que aqui os interessados devem ainda aguardar anos, nas filas dos precatórios judiciais, para cumprimento das decisões. Se isso aos olhos do jurista parece inaceitável, para o leigo é uma estupidez, um absurdo. (BRINDEIRO, SD)

Por outro lado acordo com a crítica de Glezzer (2011)5, o redesenho institucional que criou a súmula vinculante se baseia em dois níveis de incentivos para modificar a cultura jurídica, que decorrem justamente da manutenção de suas idiossincrasias pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. São elas:

Em um primeiro nível, a súmula vinculante está criando incentivos de caráter fundamentalmente pragmático. Na medida em que os ministros do Supremo Tribunal Federal não incorporam um modelo de “reiteradas decisões” fundado em uma racionalidade de precedentes, a aplicação dos enunciados vinculantes padecerá recorrentemente de dificuldades em orientar as autoridades vinculadas. Nesse âmbito, a pressão de adequação do Supremo Tribunal Federal tenderá a vir dos “operadores do direito” – visando o adequado funcionamento do sistema. (GLEZZER, 2011)

Em um segundo nível, a súmula vinculante está criando distorções de caráter eminentemente teórico. O redesenho institucional provocou uma mudança muito sutil sobre o status do modelo tradicional de fundamentação das decisões judiciais. Se antes do redesenho os debates a respeito de lógica de precedentes estavam restritos ao âmbito do que seria “mais adequado” ou “mais desejável”, quando se trata da criação de súmulas vinculantes, a mesma questão passa a ser tratada no âmbito do que é “lícito” e “válido”. (GLEZZER, 2011)

A partir dos trechos em questão, interpreta-se em Glezzer (2011) que os ministros do STF passaram a aprovar súmulas vinculantes com base no modelo tradicional de fundamentação das decisões, o órgão recaiu em arbítrio. De modo geral, Glezzer (2011) explica que isso não quer dizer que os ministros do Supremo planejaram ou mesmo perceberam o mau emprego do instituto; nos termos dos penalistas, não há necessariamente um “dolo”.
Todavia, quando os ministros da Corte não perceberam que a súmula vinculante exigia uma nova racionalidade, a própria concretização do instituto passou a gerar distorções na legitimidade das decisões do STF: o que antes era lícito, passou a ser ilícito. (GLEZZER, 2011)
Grosso modo, a partir do problema invocado e de sua crítica é possível averiguar 3 pontos a saber: (a) redesenho institucional proposto pela EC n° 45 a partir de alterações constitucionais e promulgação de novos mecanismos jurídicos; (b) análise de um de seus mecanismos (súmula vinculante) que visa diminuir a morosidade no julgamento de processos de mesma procedência outrora já julgados (c) crítica ao modelo levando em consideração a ausência de uma nova racionalidade burocrática, operacional e jurisprudencial, reiterando as citadas disfunções e miopia cultural jurídica já discutidas neste texto.
É importante notar que, estes redesenhos institucionais podem afetar diretamente a qualidade de serviço entregue, tanto para os clientes internos quanto externos do Poder em questão. O Brasil possui um rol de instituições competentes ao poder judiciário e, particularmente, vejo que ocorre um efeito dominó em que inconsistências dos órgãos da esfera federal repercutem diretamente nos da esfera municipal – e vice-versa. Neste sentido, a coerência e sinergia entre os poderes têm efeito direto no que se refere ao funcionamento do sistema brasileiro como um todo. Pensar no redesenho institucional brasileiro na ótica do poder judiciário tradicional, é pensar em como manter um conjunto de regras, diretrizes e processos que garantam ordenamento e legitimidade à estrutura de operação do país.
Para além deste contexto, outro ponto de grande relevância e que vem modelando o Poder Judiciário, Instituições e sociedade é a questão da “Judicialização da Política” e “Politização da Justiça”. De acordo com Maciel e Koerner (2002) apud Tate e Vallinder (1995)6, a estes termos correspondem à expansão do Poder Judiciário no processo decisório da democracia contemporânea, e podem ser interpretados como:

Se na idéia da política judicializada estão em evidência modelos diferenciais de decisão, a noção de politização da justiça destaca os valores e preferências políticas dos atores judiciais como condição e efeito da expansão do poder das Cortes. A judicialização da política requer que operadores da lei prefiram participar da policy-making a deixá-la ao critério de políticos e administradores e, em sua dinâmica, ela própria implicaria papel político mais positivo da decisão judicial do que aquele envolvido em uma não decisão. (MACIEL e KORNER, 2002)

Grosso modo, é possível entender que o Poder Judiciário passa a ter forte papel frente às políticas públicas e garantia de direitos à sociedade. Exemplos claros desta afirmativa e que permeiam este assunto é a própria lei da Ficha Limpa, cuja descrição oficial reitera “A Lei Ficha Limpa foi aprovada graças à mobilização de milhões de brasileiros e se tornou um marco fundamental para a democracia e a luta contra a corrupção e a impunidade no país. Trata-se de uma conquista de todos os brasileiros e brasileiras.”. E, em maio de 2011, a aprovação pelo STF da União Homoafetiva por unanimidade e que, particularmente encaro como um grande avanço no que tece a garantia de igualdade e combate ao preconceito.
Estas decisões, consequentemente configuram um novo desenho institucional no Brasil, pois, assuntos outrora considerados “tabús”, “crimes sociais”, entre outros, começam a ser rediscutidos em favor de uma sociedade mais justa e que sabe lidar, pelo menos legalmente, suas pluralidades políticas, sociais e culturais.
Neste momento, a meu ver, pensar no redesenho institucional brasileiro na ótica do poder judiciário politizado, é pensar em como manter um conjunto de regras, diretrizes e processos que garantam ordenamento e legitimidade à estrutura de operação do país a partir de novos níveis de democratização as decisões ante as necessidades e valores da sociedade. Grosso modo, esta assertiva me remete a uma visão de governança para o poder judiciário e que, em perspectiva resumida permeia 3 esferas chave debatidas ao longo deste texto: (a) processual (que envolve os inputs, mecanismos e outputs do poder judiciário); (b) cultural (que envolve o fator humano e valores institucionais – imprescindíveis para atingir maiores níveis de qualidade de serviço); e (c) política (que envolve estruturas de democracia, interesse e coalizões para se alcançar um objetivo comum). Qualquer que seja o redesenho institucional, deve levar em consideração estes fatores, pois, é a partir deles que se alcançam maiores níveis eficiência, qualidade e governança.

1 STJ. Supremo Tribunal Judicial. Disponível em: < http://www.brasil.gov.br/sobre/o-brasil/estrutura/poder-judiciario-assegura-direitos-dos-cidadaos>. Acesso em: 10 nov. 2011.
2 LIMA, Tatiana Maria Silva Mello de. Agravo interno no Superior Tribunal de Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2011.
3LIMA, Arnaldo Esteves. Reforma do judiciário. Brasília, DF, 1998. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2011.
4 BRINDEIRO, Geraldo .A reforma do Judiciário. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2011.
5 GLEZZER, Rubens Eduardo. SÚMULA VINCULANTE E RATIO DECIDENDI: Uma abordagem empírica a respeito de redesenho institucional e cultura jurídica. São Paulo, SP, 2011-11-15. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/8370/60090200007.pdf?sequence=1. Acesso em 10 nov. 2011.
6 MACIEL, Débora Alvez; KOERNER, Andrei. Sentidos da Judicialização da Política: Duas Análises. Lua Nova, n° 57, 2002. Scielo. Disponível em: . Acesso em 10 nov. 2011.

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