Rafael
Prado Celso
N° USP
6409945
Quando se fala de “Poder
Judiciário” é bastante válido entender quais são seus
principais objetivos e órgãos acessórios responsáveis pelo
exercício deste poder. Como bem expressa o STJ (2011)1,
o Poder Judiciário visa garantir os direitos individuais,
coletivos e sociais além de resolver conflitos entre cidadãos,
entidades e estado. Para isso, tem independência e autonomia
administrativa e financeira garantidas pela Constituição Federal. A
partir de seus objetivos, é possível identificar pontos de grande
importância, que frente a um rol de processos legais e
administrativos visam manter a ordem da sociedade.
Para tanto, os órgãos
responsáveis por tais objetivos (desde a esfera federal à
municipal) são: Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de
Justiça (STJ), Tribunais Regionais Federais (TRF), Tribunais e
Juízes do Trabalho, Tribunais e Juízes Eleitorais, Tribunais e
Juízes Militares e os Tribunais e Juízes dos estados e
do Distrito Federal e Territórios. (STJ, 2010)
Historicamente, a criação do STJ
em 1988 urge, sobretudo, como marco de uma série de debates
políticos e acadêmicos, mas cujo objetivo era aliviar a carga de
processos existentes no STF. Como reitera Lima (2000)2,
a partir da lei n.º 7746 de 30/03/88 o STJ substituiu
o Tribunal Federal de Recurso englobando parte da sua
competência destinada a decisões estaduais e federais e ficando com
a responsabilidade de uniformização de interpretação do direito
federal em todo território nacional. Cito toda esta estrutura, pois,
pensar em redesenho institucional no Brasil a partir do poder
judiciário implica um conjunto de ações podem afetar direta e
indiretamente o modelo de operação destes órgãos, como as
decisões são tomadas e conseqüentes reflexos na sociedade. Esta
transição histórica ocorrida em 1988 é apenas um exemplo destes
redesenhos institucionais, que por ventura, possui acentuado caráter
estrutural.
Apesar das manobras de outrora, as
demandas processuais são crescentes e quando trazemos esta discussão
para a atualidade é sabido que o excesso de trabalho exercido pelo
Poder Judiciário é uma das principais causas da morosidade no
exercício da justiça brasileira que, muitas vezes, gera
inconsistências para alcançar seus objetivos estratégicos. É
neste sentido que, grosso modo, frente à necessidade de maior
operacionalidade e dinamicidade do Poder Judiciário, impulsiona-se
um rol de “reformas” constitucionais com o objetivo de garantir
maior flexibilidade no exercício das atividades do Poder Judiciário.
A EC n° 45 de 2004 é o principal propulsor destas medidas trazendo
significativas mudanças no poder Judiciário e consequentemente para
o redesenho institucional brasileiro.
Antes de adentrarmos aos aspectos
de redesenho institucional, é importante reiterar a fala do ministro
Arnaldo Estevez Lima: “É fundamental mudança de comportamento,
sobretudo cultural, na aplicação das normas jurídicas, sem o que
dificilmente qualquer reforma, por mais bem elaborada que seja, dará
bons resultados”. (LIMA, 1998)3
Reitero esta fala, pois, para
além da morosidade técnico-operacional e técnico-burocrática, o
fator humano-comportamental-cultural presente nestas instituições
não pode ser deixado de lado. Dentro da própria teoria das
organizações, é explicito que instituições
são dotadas de valor e este valor não pode ser ignorado ao longo
destes processos de mudança, reengenharia, reforma, ou seja, lá
qual for a termologia. O sistema se vê engessado em diversos
ângulos, para que a EC n°45 fosse promulgada se passaram 13 anos de
tramitação, em que se pode destacar – fortemente – debates de
cunho ideológico-cultural (o que não significa má fundamentação
de seus pontos de vista) avessos à medida. Enfatizo que, mesmo
legítimo, o conservadorismo e resistência cultural é um dos
fatores que na perspectiva legal-racional pode gerar disfunções
pejorativas quando em excesso.
Desta forma, retomando a discussão
anterior e já exemplificando, a necessidade e efetivação destas
reformas e redesenhos institucionais são decorrentes da criação de
razões e incentivos para que as mudanças possam acontecer. Um dos
principais pontos da EC n° 45, compete a criação da súmula
vinculante em 30 de dezembro, cuja razão vai ao encontro de resolver
o problema invocado pelo Prof. e Procurador geral da República,
Geraldo Brindeiro4:
[.,.] cerca de metade
dos processos em andamento nos tribunais diz respeito a questões já
decididas que não podem ser "estendidas" aos interessados
em situação absolutamente idêntica. E, o que é mais grave, a
maioria envolve o próprio Estado como sucumbente, do qual o
Judiciário faz parte, sendo que aqui os interessados devem ainda
aguardar anos, nas filas dos precatórios judiciais, para cumprimento
das decisões. Se isso aos olhos do jurista parece inaceitável, para
o leigo é uma estupidez, um absurdo. (BRINDEIRO, SD)
Por outro lado acordo com a
crítica de Glezzer (2011)5,
o redesenho institucional que criou a súmula vinculante se baseia
em dois níveis de incentivos para modificar a cultura jurídica, que
decorrem justamente da manutenção de suas idiossincrasias pelos
ministros do Supremo Tribunal Federal. São elas:
Em um primeiro nível,
a súmula vinculante está criando incentivos de caráter
fundamentalmente pragmático. Na medida em que os ministros do
Supremo Tribunal Federal não incorporam um modelo de “reiteradas
decisões” fundado em uma racionalidade de precedentes, a aplicação
dos enunciados vinculantes padecerá recorrentemente de dificuldades
em orientar as autoridades vinculadas. Nesse âmbito, a pressão de
adequação do Supremo Tribunal Federal tenderá a vir dos
“operadores do direito” – visando o adequado funcionamento do
sistema. (GLEZZER, 2011)
Em um segundo nível,
a súmula vinculante está criando distorções de caráter
eminentemente teórico. O redesenho institucional provocou uma
mudança muito sutil sobre o status do modelo tradicional de
fundamentação das decisões judiciais. Se antes do redesenho os
debates a respeito de lógica de precedentes estavam restritos ao
âmbito do que seria “mais adequado” ou “mais desejável”,
quando se trata da criação de súmulas vinculantes, a mesma questão
passa a ser tratada no âmbito do que é “lícito” e “válido”.
(GLEZZER, 2011)
A partir dos trechos em questão,
interpreta-se em Glezzer (2011) que os ministros do STF passaram a
aprovar súmulas vinculantes com base no modelo tradicional de
fundamentação das decisões, o órgão recaiu em arbítrio. De
modo geral, Glezzer (2011) explica que isso não quer dizer que os
ministros do Supremo planejaram ou mesmo perceberam o mau emprego do
instituto; nos termos dos penalistas, não há necessariamente um
“dolo”.
Todavia, quando os ministros da
Corte não perceberam que
a súmula vinculante exigia uma nova racionalidade,
a própria concretização do instituto passou a gerar distorções
na legitimidade das decisões do STF: o que antes era lícito, passou
a ser ilícito. (GLEZZER, 2011)
Grosso modo, a partir do problema
invocado e de sua crítica é possível averiguar 3 pontos a saber:
(a) redesenho institucional proposto pela EC n° 45 a partir de
alterações constitucionais e promulgação de novos mecanismos
jurídicos; (b) análise de um de seus mecanismos (súmula
vinculante) que visa diminuir a morosidade no julgamento de processos
de mesma procedência outrora já julgados (c) crítica ao modelo
levando em consideração a ausência de uma nova racionalidade
burocrática, operacional e jurisprudencial, reiterando as citadas
disfunções e miopia cultural jurídica já discutidas neste texto.
É importante notar que, estes
redesenhos institucionais podem afetar diretamente a qualidade de
serviço entregue, tanto para os clientes internos quanto externos do
Poder em questão. O Brasil possui um rol de instituições
competentes ao poder judiciário e, particularmente, vejo que ocorre
um efeito dominó em que inconsistências dos órgãos da esfera
federal repercutem diretamente nos da esfera municipal – e
vice-versa. Neste sentido, a coerência e sinergia entre os poderes
têm efeito direto no que se refere ao funcionamento do sistema
brasileiro como um todo. Pensar no redesenho institucional brasileiro
na ótica do poder judiciário tradicional, é pensar em como manter
um conjunto de regras, diretrizes e processos que garantam
ordenamento e legitimidade à estrutura de operação do país.
Para além deste contexto, outro
ponto de grande relevância e que vem modelando o Poder Judiciário,
Instituições e sociedade é a questão da “Judicialização da
Política” e “Politização da Justiça”. De acordo com Maciel
e Koerner (2002) apud Tate e Vallinder (1995)6,
a estes termos correspondem à expansão do Poder Judiciário no
processo decisório da democracia contemporânea, e podem ser
interpretados como:
Se na idéia da
política judicializada estão em evidência modelos diferenciais de
decisão, a noção de politização da justiça destaca os valores e
preferências políticas dos atores judiciais como condição e
efeito da expansão do poder das Cortes. A judicialização da
política requer que operadores da lei prefiram participar da
policy-making a deixá-la ao critério de políticos e
administradores e, em sua dinâmica, ela própria implicaria papel
político mais positivo da decisão judicial do que aquele envolvido
em uma não decisão. (MACIEL e KORNER, 2002)
Grosso modo, é possível entender
que o Poder Judiciário passa a ter forte papel frente às políticas
públicas e garantia de direitos à sociedade. Exemplos claros desta
afirmativa e que permeiam este assunto é a própria lei da Ficha
Limpa, cuja descrição oficial reitera “A Lei Ficha Limpa foi
aprovada graças à mobilização de milhões de brasileiros e se
tornou um marco fundamental para a democracia e a luta contra a
corrupção e a impunidade no país. Trata-se de uma conquista de
todos os brasileiros e brasileiras.”. E, em maio de 2011, a
aprovação pelo STF da União Homoafetiva por unanimidade e que,
particularmente encaro como um grande avanço no que tece a garantia
de igualdade e combate ao preconceito.
Estas decisões, consequentemente
configuram um novo desenho institucional no Brasil, pois, assuntos
outrora considerados “tabús”, “crimes sociais”, entre
outros, começam a ser rediscutidos em favor de uma sociedade mais
justa e que sabe lidar, pelo menos legalmente, suas pluralidades
políticas, sociais e culturais.
Neste momento, a meu ver, pensar
no redesenho institucional brasileiro na ótica do poder judiciário
politizado, é pensar em como manter um conjunto de regras,
diretrizes e processos que garantam ordenamento e legitimidade à
estrutura de operação do país a partir de novos níveis de
democratização as decisões ante as necessidades e valores da
sociedade. Grosso modo, esta assertiva me remete a uma visão de
governança para o poder judiciário e que, em perspectiva resumida
permeia 3 esferas chave debatidas ao longo deste texto: (a)
processual (que envolve os inputs, mecanismos e outputs do poder
judiciário); (b) cultural (que envolve o fator humano e valores
institucionais – imprescindíveis para atingir maiores níveis de
qualidade de serviço); e (c) política (que envolve estruturas de
democracia, interesse e coalizões para se alcançar um objetivo
comum). Qualquer que seja o redesenho institucional, deve levar em
consideração estes fatores, pois, é a partir deles que se alcançam
maiores níveis eficiência, qualidade e governança.
1
STJ. Supremo Tribunal Judicial. Disponível em: <
http://www.brasil.gov.br/sobre/o-brasil/estrutura/poder-judiciario-assegura-direitos-dos-cidadaos>.
Acesso
em: 10
nov. 2011.
2
LIMA,
Tatiana Maria Silva Mello de. Agravo
interno no Superior Tribunal de Justiça. Jus
Navigandi, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível
em: .
Acesso em: 10
nov.
2011.
3LIMA,
Arnaldo Esteves. Reforma do judiciário. Brasília, DF, 1998.
Disponível em: .
Acesso em: 10 nov. 2011.
4
BRINDEIRO, Geraldo .A reforma do Judiciário. Disponível em:
.
Acesso em: 10 nov. 2011.
5
GLEZZER, Rubens Eduardo. SÚMULA VINCULANTE E RATIO DECIDENDI: Uma
abordagem empírica a respeito de redesenho institucional e cultura
jurídica. São Paulo, SP, 2011-11-15. Disponível em:
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/8370/60090200007.pdf?sequence=1.
Acesso em 10 nov. 2011.
6
MACIEL, Débora Alvez; KOERNER, Andrei. Sentidos da Judicialização
da Política: Duas Análises. Lua Nova, n° 57, 2002. Scielo.
Disponível em: .
Acesso em 10 nov. 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário