domingo, 12 de junho de 2011

O “PROCESSO” DE ACESSO Á JUSTIÇA

"Alguém devia ter caluniado a Josef K., pois sem que ele tivesse feito qualquer  mal foi detido certa manhã". Assim começa o romance "O Processo" do escritor checo Franz Kafka, no qual o personagem é acusado pela Justiça sem saber o porquê, e, na medida em que vai tentando descobrir o motivo, mais ele se vê envolvido em uma Justiça sem respostas, burocrática e de funcionários corruptos. A obra retrata as dificuldades que um cidadão tem em ter acesso ao Judiciário, e quando o consegue ele depara-se com mais perguntas do que respostas. No final, Josef é condenado – à morte – sem saber, afinal, do que estava sendo acusado.

O livro aborda, acima de tudo, a existência de um Estado burocrático e ineficiente, o qual faz de tudo para afastar o cidadão do seu direito, e mais, é aquele que infringe e nega seus direitos.

Apesar de o livro ter sido escrito em 1925 e por um escritor checo, podemos trazer um pouco de sua obra para a atualidade brasileira. Como a questão das dificuldades de um cidadão comum em ter acesso à Justiça, e a sua ineficiência em cumprir sua função.  

A Constituição Federal (1988) em seu artigo 5º, inciso XXXV garante o pleno acesso à Justiça:
"a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"

A partir do pressuposto de que vivemos em um Estado Democrático de Direito, deve-se valer-se da premissa que qualquer norma instituída na Constituição deve ser democratizada. Assim sendo o acesso à Justiça é dever do Estado e direito de todos.

De fato, desde a promulgação da Constituição, a qual normatizou o acesso ao Judiciário, temos um crescente número de cidadãos brasileiros que recorrem à Justiça demandando ações e, por conseguinte, terem suas causas julgadas. Mas a verdade é que, embora esse indicador aparentemente seja positivo, o mesmo esconde outra face: a elitização do acesso. Mais importante do que saber quantos são os que recorrem ao Judiciário, é saber quem são esses. Sobre isso, observa-se que a grande parte dos demandadores do Judiciário são as médias e altas classes, restando para os mais vulneráveis socialmente e economicamente uma parcela mínima do total.

Portanto, como podemos falar em democratização sendo que os pobres ainda vêem o Judiciário como algo distante da realidade? O sistema jurisdicional apenas reflete o panorama social, na medida em que temos uma grande massa da população desprovida de direitos, e em contrapartida, uma elite monopolizadora economicamente.

O acesso ao Poder Judiciário, tal como se apresenta, não tem um caráter universalizante que outrora foi normatizado no art. 5º, inciso XXXV; pelo contrário, a Justiça tem um aspecto restritivo, pois é necessário por parte do cidadão recursos para acessá-la. Pagar bons advogados hoje em dia exige um dispêndio muito grande, incompatível com o nível de renda da população mais carente. Decerto, o art. 5º, LXXIV garante que o estado prestará assistência jurídica integral e gratuita e mais especificamente o art. 134 trata da Defensoria Pública como órgão que presta orientação jurídica aos mais desfavorecidos Porém tal instituição mostrou-se altamente ineficiente em atender as demandas populares, em face da demora na tramitação dos processos, as suas disfunções burocráticas e a falta de estrutura técnica. Tais problemas são catalisados pela omissão do Estado em aprimorar as Defensorias.

Ademais, a credibilidade do Poder Judiciário está em baixa, por parte da população. Tal como em "O Processo", a Justiça brasileira ainda é incompreensível para os setores de baixa renda, e por vezes também para os de alta renda, pois é um sistema moroso, lento, com procedimentos burocráticos infindáveis, regras de funcionamento incompreensíveis. Tudo isso servindo como obstáculos que afastam o cidadão da lei.

Esse afastamento do cidadão e a lei estão bem representados na passagem do livro em que ocorre um diálogo entre o personagem principal e um sacerdote, o qual este relata uma história de um camponês que quer entrar na lei, mas entre ele e a lei existe um guarda. E o guarda nega o direito do camponês de entrar na lei. Diz o texto: "o camponês não esperara tais dificuldades; parece-lhe que a lei tem de ser acessível sempre a todos, mas agora que examina com maior atenção o guarda, envolto em seu abrigo de peles, que tem grande nariz pontiagudo e barba longa, delgada e negra à moda dos bárbaros, decide que é melhor esperar até que lhe dêem permissão para entrar. O guarda dá-lhe então um escabelo e o faz sentar-se a um lado frente à porta. Ali passa o homem, sentado, dias e anos"


Pedro Fujimoto Amorim     NºUSP: 7235001
Artigo para a disciplina de Direito Constitucional
Profº: Dr. Marcelo Arno Nerling

Referencias Bibliográficas:
FRANZ, KAFKA. O Processo. 3ª edição. São Paulo: Martin Claret, 2010.257 p.

SANTOS, BOAVENTURA DE SOUZA. Os tribunais na sociedade contemporânea. In Revista Brasileira de Ciência Sociais, n. 30, 1996

REVISTA DIREITO GV. vol.4 no. 2 São Paulo, Julho/Dezembro de 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322008000200006&lang=pt. Acessado em 11 de junho de 2011

Um comentário:

Anônimo disse...

Pedro Fujimoto Amorim escreve bem o seu texto e vai, com Kafka descrever um cenário de uma justiça sem respostas, burocrática e de funcionários corruptos. O direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário frente à lesão ou ameaça a direito, tem na defensoria pública um via de abertura para garantia de acesso. Quando penso no Poder Judiciário brasileiro vejo avanços mas vejo a manutenção do status quo, uma crise, aonde o velho não morre e o novo não consegue nascer (Gramsci). Quanto a Defensoria Pública penso que, considerado o tarde na sua criação em São Paulo, temos avanços e infelizmente, ausencia de controle. Os legislativos são pífios na ação de controle, auditagem, sustação de atos exorbitantes.
Parabéns pelo Artigo Pedro, Marcelo Nerling, com seu escabelo, ao lado em frente a porta, por dias e anos, a ver a moda dos bárbaros, em comentário dominical.

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