"E o que é um verdadeiro louco? É um homem que preferiu enlouquecer, no sentido em que socialmente se entende a palavra, a trair uma certa ideia superior da honra humana. Eis porque a sociedade condenou ao estrangulamento todos aqueles dos quais queria se livrar ou contra os quais queria se defender, pois eles haviam se recusado a cumpliciar-se com ela em certos atos de suprema sujeira, pois um louco é também um homem à quem a sociedade não quis ouvir e a quem quis impedir a expressão de insuportáveis verdades" (Antonin Artaud apud FERNANDES, 2007).
Em um passado não tão distante, os doentes mentais eram tratados como a grande chaga de nossa sociedade, sendo assim apartados do convívio social em instituições psiquiátricas de reclusão permanente. Inúmeros são os relatos dos "tratamentos" oferecidos a estes na procura utópica da cura de sua condição: choque elétrico, isolamento, camisas de força e sem mencionar as medicações prescritas erroneamente e que apresentavam efeitos colaterais irreversíveis, entre eles a morte.
A Constituição Federal da República, pacto legal que assegura os direitos e garantias a todos os residentes no país, é irredutível em seus princípios do Artigo 5ª, inciso III:
"Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;"
O tratamento ofertado aos doentes mentais nos hospitais psiquiátricos em nosso país é inconstitucional e deve ter fim imediato. Com este intuito, foi promulgada a Lei Antimanicomial nº 10.216 de junho de 2001. Nesta, os preceitos para um atendimento médico humanizado destinado aos doentes mentais foram firmados, sendo estes de inteira responsabilidade do Estado. Os Artigos 2º, 3º e 4º da referida Lei dispõem sobre o modelo de tratamento a ser ofertado aos doentes mentais nas instituições públicas, ressaltando a finalidade de "reinserção social do paciente em seu meio" (Art. 4º) como princípio máximo das ações de saúde pública. Em outras palavras as políticas públicas para o tratamento de doentes mentais devem ter como objetivo a integração entre paciente e sociedade, através da formação de equipes de tratamento interdisciplinar. Atendendo a este pilar norteador, foram criados os CAPS – Centros de Atenção Psicossocial. Trata-se de uma rede de assistência substitutiva aos hospitais psiquiátricos, ou seja, visa a gradual extinção destes.
O indivíduo, antes recluso em hospitais psiquiátricos que o apartavam do convívio social é agora, segundo os princípios da Lei Antimanicomial, reinserido na sociedade que o excluira. É sensato, portanto, o seguinte questionamento: estaria ela preparada para receber o doente mental?
Parece bastante utópico acreditar que a simples reinserção do doente no ensejo social seja suficiente para garantir uma mudança consistente no comportamento da sociedade em relação a este. Em outras palavras, a pura e simples convivência com a loucura não é suficiente para despertar o processo de socialização.
É preciso, portanto, reavaliar a necessidade de políticas públicas que atentem não somente para o doente e seus familiares, mas para a comunidade que convive, mesmo que de maneira indireta, com essa realidade.
Em entrevista com Célia Cristina Renucci, psicóloga do CAPS ad Santo Amaro, localizado na zona sul de São Paulo, foi possível conhecer a rotina de atendimento do núcleo. Entre as principais dificuldades elencadas pela entrevistada estão o espaço físico da instituição, a quantidade de profissionais para o atendimento e a inexistência de programas psicoeducativos, que objetivem a divulgação do trabalho do CAPS para a comunidade vizinha ao núcleo, as empresas, escolas, e a sociedade de uma maneira geral.
Não há motivos para desânimo e sim para congratulações! Passamos de uma situação na qual a loucura era abominada e excluída para um crescente comprometimento de grande parcela da sociedade na garantia dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos que padecem desse mal. Contudo, este trabalho deve integrar toda a sociedade, de maneira que os cidadãos entendam o papel determinante que possuem na melhoria da condição de vida dos doentes mentais.
Bruna Mattos é graduanda do Bacharelado em Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo
Referências Bibliográficas
FERNANDES, Amanda. Projeto Antimanicomial: um ensaio sobre a saúde mental no cotidiano da vida. Universidade de São Paulo - Departamento de Psicologia Social e do Trabalho. Dissertação (mestrado), São Paulo 2007.
Ministério da Saúde. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/default.cfm>. Acesso em: 10 de mai. 2011.
Portal da Saúde – Ministério da Saúde. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=29797&janela=>. Acesso em: 4 de mai. 2011.
Bruna Barcellos Mattos - Nº USP: 7134861
Professor Dr. Marcelo Arno Nerling - Direito Constitucional
Nenhum comentário:
Postar um comentário