terça-feira, 23 de junho de 2009

RESENHAS IEPP 1 – Profª.Dra. Marta Rodrigues - LEONARDO SPICACCI

Leonardo Spicacci Campos – nº. USP: 6410075

Introdução ao Estudo de Políticas Públicas I – Profª.dra. Marta Rodrigues

16/06/08

Resenha

"O Estado como problema e como solução" (Peter Evans)

EVANS, Peter. O Estado como Problema e como Solução. Revista Lua Nova, n. 28/29, 1993.

Peter Evans, no artigo "O Estado como problema e como solução", identifica três "ondas" (pensamentos) na compreensão da importância do Estado para o desenvolvimento econômico no pós-guerra. Na "primeira onda", predominante nas décadas de 50 e 60, o Estado era visto como o principal agente econômico responsável pelo desenvolvimento. As crises econômicas mundiais originadas principalmente pelo petróleo, abalaram seriamente a crença no Estado como garantia de bem-estar econômico e geraram a "segunda onda", caracterizada pelo pensamento neoliberal, que via o Estado como um problema que, por isso, deveria ser reduzido ao mínimo. Acreditava-se na ação reguladora natural da "mão invisível" da economia, cabendo ao Estado somente a "proteção dos direitos individuais, pessoas e propriedades e a execução de contratos privados previamente negociados" (p. 112).

Nas últimas décadas, porém, ganhou força a corrente de pensamento que defende o Estado ativo como condição importantíssima para o desenvolvimento econômico, a chamada "terceira onda", defendida por Evans. O autor, a partir daí, mostra situações reais que comprovam a validade de sua teoria, que contrapõe o Estado predatório (Zaire, atual República Democrática do Congo) com o Estado desenvolvimentista (Japão, Coréia do Sul e Taiwan). Evans também cita Brasil e Índia, que se encontram no meio do caminho entre um e outro tipo.

Mas antes de explanar os exemplos dados, Peter Evans ataca a visão muito difundida de burocracia como entrave ao desenvolvimento econômico. O que acontece, na verdade, é justamente o contrário. A existência de uma burocracia bem estruturada, baseada essencialmente em critérios meritocráticos e "na qual os indivíduos encaram a implementação de metas corporativas como o melhor meio de maximizar seu próprio interesse individual" (p. 115) é uma condição fundamental para o crescimento econômico efetivo. O problema na burocracia brasileira é, desse modo, justamente a falta dos princípios burocráticos, já que o número de cargos ocupados por indicações políticas é extremamente alto se comparado a outros países. No Japão, em contraste, a valorização dos cargos públicos, o uso de critérios exclusivamente meritocráticos e a possibilidade de carreira no setor público gera uma burocracia eficiente e competente. Isso, junto com alguns outros fatores, faz com que o MITI (Ministério do Comércio Internacional e da Indústria), órgão do governo japonês com maior influência no desenvolvimento industrial, tenha uma legitimidade que o permite ter autonomia perante aos interesse individuais ou às empresas, no sentido de guiar a economia e fazer valer a sua vontade, baseada em estudos avançados realizados por profissionais altamente especializados.

É importante ressaltar que a autonomia do Estado desenvolvimentista é bastante diferente daquela do Estado predatório, como o Zaire. Uma burocracia autônoma, no sentido utilizado por Evans e por Weber é aquela que não é influenciada por interesses particulares, mas age visando o bem comum. No Zaire, a suposta "autonomia" era resultado de um regime autoritário e personalista, sendo o completo oposto da anterior, uma vez que atendia aos interesses pessoais dos detentores dos postos altos do governo. É importante ressaltar também que uma burocracia autônoma não é aquela que ignora a classe empresarial, mas a que age junto a ela, sempre impondo, porém, as metas que julga melhor para garantir o desenvolvimento.

Assim, a autonomia do Estado não é suficiente em si. É necessário que haja uma autonomia inserida, ou seja, uma integração entre Estado e mercado com o objetivo de aperfeiçoar o desempenho da economia e gerar desenvolvimento econômico. Nos países de industrialização tardia, por exemplo, o Estado funcionou como mobilizador de recursos que os empresários não tinham condições de adquirir (tecnologia avançada em máquinas, por exemplo) e também como investidor ou minimizador de riscos nas áreas da economia em que o investimento se tornava necessário, mas nas quais os empresários não mostravam "coragem" em arriscar seu capital.

A busca pela autonomia inserida do Estado é típica do Brasil sob o governo Juscelino Kubitscheck com seu caráter desenvolvimentista. Apesar de todo o desenvolvimento econômico alcançado nos cinco anos do governo JK (sobretudo no setor industrial), o velho conservadorismo da elite agrária, clientelista e patrimonial, mais uma vez representou um entrave ao crescimento econômico. A reforma burocrática brasileira limitou-se à criação de "bolsões de eficiência", como foi o caso do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento, atual BNDES), que possuía todas as características de um sistema burocrático weberiano, tornando-se exemplo de eficiência, como demonstram as estatísticas: enquanto os projetos de responsabilidade do BNDE cumpriram 102% das metas dadas a eles pelo governo JK, aqueles delegados às burocracias tradicionais (não muito burocráticas...) alcançaram apenas 32% de satisfação dos objetivos. Entre estes setores, estavam a saúde e a educação – ainda hoje bastante problemáticas no país. O Brasil, portanto, apesar do sucesso no desenvolvimento industrial, manteve estruturas burocráticas deficientes, infestadas pela politicagem e onde as relações e acordos ocorrem mais individual que coletivamente.

A partir dessa exposição, percebe-se o que gera grande parte dos entraves ao desenvolvimento econômico. A autonomia burocrática só faz sentido com a inserção e vice-versa. Enquanto o Zaire falha ao possuir autonomia (no sentido de "força política" e não de isenção de interesses particularistas) sem inserção, o Brasil pratica a inserção sem a autonomia necessária. Além disso, como diz Peter Evans, "quase todos os Estados do Terceiro Mundo tentam fazer mais do que são capazes" (p. 151) e acabam criando burocracias desorientadas, que tendem à ineficiência, ao patrimonialismo e à corrupção.

Vencer esses problemas estruturais não é uma tarefa fácil nem rápida e exige, antes de tudo, uma democracia bem estabelecida para que o poder dos governantes seja suficientemente legítimo para que estes implementem reformas estruturais com coragem e sem ameaçar a estabilidade política. O Brasil, desde 1993 (ano em que foi publicado o artigo), evoluiu muito nesse sentido e, principalmente nos últimos anos, tem alcançado um desenvolvimento econômico mais intenso que nas décadas anteriores. Ainda permanece o desafio de chegar-se ao ideal de Estado com autonomia inserida, mas a atual conjuntura pode levar a crer que não estamos tão longe assim disso. Ou, pelo menos, que estamos mais perto do que estávamos há 15 anos.


Leonardo Spicacci Campos – nº. USP: 6410075

Introdução ao Estudo de Políticas Públicas I – Profª.dra. Marta Rodrigues

09/06/08

Resenha

"Las redes de asuntos y el poder Ejecutivo" (Hugh Heclo)

O artigo "Las redes de asuntos y el poder Ejecutivo", de Hugh Heclo, trata basicamente da ascensão das redes de assuntos (issue networks) na definição das políticas públicas nos Estados Unidos e do "dilema" administração x política enfrentado pelo governo nas últimas décadas. A teoria das redes de assuntos contrapõe-se e, ao mesmo tempo, complementa a teoria dos "triângulos de ferro" detentores de poder, formados pelos escritórios do Executivo, comitês do Congresso e pelos grupos de interesse relacionados a cada política. Heclo expõe a idéia de que, sobretudo a partir do New Deal, começaram a ter importância cada vez maior no direcionamento das políticas do Estado norte-americano pessoas consideradas grandes especialistas dentro de uma determinada área de ação governamental (embora não necessariamente de formação acadêmica no assunto), que, de alguma forma, influenciam os rumos das políticas públicas. Estas pessoas formariam as tais redes de assuntos.

Os especialistas agrupam-se em diversas redes de assuntos – energia, saúde e educação, por exemplo –, que podem ser ainda mais especificadas. Na área da educação podem ser encontradas diversas redes, entre elas a relacionada à alfabetização, aos métodos educacionais e ao ensino universitário. Dentro de cada rede, aqueles que conseguem alcançar posições de liderança são chamados policy politicians (políticos de políticas), especialistas em mobilizar e utilizar o trabalho de outros especialistas.

Entre os vários fatores que contribuíram para o surgimento e a relevância cada vez maior das redes de assuntos, destaca-se o aumento das atividades do governo americano, uma exigência da população e da política de bem-estar social dos Estados Unidos. As novas questões tornaram necessário um aparelho burocrático maior e muito mais especializado, pronto para tratar com habilidade os problemas sociais, econômicos e ambientais. Verificou-se, assim, um crescimento vertiginoso no número de cargos médios e médio-altos no aparelho do Estado americano, o que levou a uma maior eficiência e eficácia das políticas, afastando-as das decisões irresponsáveis e de planejamentos deficientes que os políticos "clássicos" podem, porventura, ter. Outra vantagem que o aumento da presença desse tipo de profissional no governo traz é o fato de que, pelo menos nos Estados Unidos, isso gerou uma maior integração entre Executivo e Legislativo, já que as redes de assuntos estendem-se por ambos os poderes – seus membros formam, na verdade, uma única rede de pessoas em um grande intercâmbio de idéias.

Isso não significa, porém, que o planejamento e a coordenação de políticas públicas sejam, hoje, totalmente isentos de política. O "jogo político" ainda exige a indicação dos políticos tradicionais para cargos de comando do governo. Na maioria das vezes, tenta-se conciliar competência na área a "jogo de cintura" político, como acontece na indicação de ministros, por exemplo. Além disso, é importante ressaltar que mesmo aqueles membros das redes que possuem cargos oficiais no governo têm independência apenas relativa para o planejamento de políticas, uma vez que suas ações dependem do aval dos que possuem os cargos eletivos, no Executivo e no Congresso, e dos grupos diretamente envolvidos na questão (e fortes o suficiente para serem ouvidos e terem suas opiniões respeitadas).

Ao contrário do que pode parecer, entretanto, o aumento da influência de especialistas nas políticas do Estado não é algo exclusivamente positivo, uma vez que esbarra nos problemas de legitimidade democrática. Os policy politicians, que não detêm cargos eletivos e, portanto, não têm nenhum comprometimento formal com o eleitorado, acabam tendo enorme influência nos rumos das políticas do Estado, o que se gera tensão na medida em que aumentam as demandas sociais por uma ampliação dos canais democráticos.

Como Heclo expõe, nos Estados Unidos esse processo de ascensão das redes de assuntos já vem ocorrendo há décadas. No Brasil, entretanto, esse processo é relativamente recente, resultado do desenvolvimento de uma visão mais ampla e dinâmica da gestão pública, importada, em parte dos norte-americanos. O número de técnicos e pessoal especializado no governo torna-se a cada ano maior, o que contribui para uma maior profissionalização das políticas públicas no país, o que é, obviamente, muito positivo, desde que o poder dos membros dessas redes de assuntos esteja subordinado ao dos políticos eleitos pelo voto popular, ou seja, desde que se tenha cuidado para manter-se distância de um governo tecnocrático. Felizmente, esse não parece ser o nosso caso pelo menos por enquanto.



















Referências bibliográficas

HECLO, Hugh. Las redes de asuntos y el poder Ejecutivo". In: VILANUEVA, Luis F. Aguilar. Problemas públicos y agenda de gobierno. México: Grupo Editorial Miguel Angel Porrua, 2000.


Leonardo Spicacci Campos – nº. USP: 6410075

Introdução ao Estudo de Políticas Públicas I – Profª.dra. Marta Rodrigues

02/06/08

Resenha

"The Advocacy Coalition Framework: Assessment, Revisions, and Implications for Scholars and Practitioners" (Paul A. Sabatier e Hank C. Jenkins-Smith)

Teoria das coalizões de defesa e o conflito desenvolvimento x meio ambiente

O foco da teoria das coalizões de defesa ("Advocacy Colalition"), defendida por Sabatier e Jenkins-Smith, é a ação das coalizões, a influência e as crenças em torno das quais elas se formam. Um dos principais conceitos dessa teoria é o de subsistema, que pode ser definido, grosso modo, como uma questão a ser tratada pelo governo em torno da qual se formam coalizões, embora possa haver casos em que há claramente somente uma coalizão com influência na policy. Subsistemas grandes, como meio ambiente, podem ser divididos em subsistemas menores, como, no caso, uso da água, emissão de gases estufa e conservação das florestas.

O conflito entre desenvolvimento econômico e conservação do meio ambiente faz (ou pelo menos deveria fazer) parte da realidade política de todos os países do mundo. No Brasil, que ocupa uma posição de destaque nas questões ambientais mundiais e, ao mesmo tempo, tem potencial e necessidade de crescer economicamente, esse conflito é ainda mais presente. Podemos identificar no nosso caso duas grandes coalizões fundamentais: uma ambientalista, representada pelo Ministério do Meio Ambiente, ONGs (como a WWF e o Greenpeace) e órgãos reguladores do governo, como o IBAMA; a outra desenvolvimentista, da qual são membros ativos sobretudo grandes empresários e produtores rurais, além de ministérios como o de Minas e Energia e da Agricultura. É importante ressaltar que, como já foi evidenciado pelo exemplo, não há um consenso e uma completa harmonia no governo, uma vez que ministérios e agências têm missões a seguir. Segundo Sabatier e Jenkins-Smith, "Essa missão é, em geral, fundada num estatuto e reforçada pela associação profissional do pessoal da agência e pela necessidade desta agência prover benefícios à coalizão dominante no seu subsistema" (p. 214). As agências governamentais, portanto, gozam de semi-autonomia em relação aos seus superiores hierárquicos e são consideravelmente influenciadas por atores externos, embora tendam a adotar posições mais centristas que a de seus aliados externos, procurando manter um equilíbrio entre harmonia interna e com o resto do governo e cumprimento das missões designadas a ela por seu estatuto. O IBAMA ilustra bem essa situação.

O domínio de uma determinada coalizão em um subsistema pode ser gerado por uma série de fatores. O primeiro e mais óbvio deles é a posse dos cargos políticos, embora, ao contrário do que possa parecer, os políticos tenham influência limitada sobre a ação dessas agências, devido aos motivos já apresentados no parágrafo anterior. Outro fator importante é o acesso dos membros da coalizão a recursos, sejam eles financeiros ou políticos. A opinião popular pode também ter uma influência considerável, se "persistir por algum tempo e demonstrar algum conhecimento do valor dos tradeoffs." (p. 223).

Para que uma coalizão minoritária consiga se sobrepor, no entanto, não basta contar com esses três fatores apresentados. Há a necessidade de um "choque exógeno", o que se aproxima do conceito de "janela de oportunidade" de John Kingdon. Informações técnicas e análises de políticas podem ser "armas" de coalizões minoritárias contra as dominantes. Ao dizer isso, Sabatier e Jenkins criticam a idéia de um analista neutro. Para eles, a maior parte das análises apresenta uma clara defesa de uma coalizão. Isso faz com que a coalizão "inimiga" tenda a rechaçar todas as afirmações provenientes dessa análise supostamente tendenciosa. Entretanto, independentemente da aceitação ou não das idéias defendidas nas análises, é inegável que estas, na maior parte das vezes, acabam tendo influência nos rumos da política. Porém, nenhuma dessas forças exógenas citadas leva necessariamente a uma maior participação das coalizões minoritárias no processo político se não forem bem aproveitadas por elas. Tudo depende, então, mais de como os fatos são explorados do que deles puramente.

Tudo isso que foi citado é muito evidente nas questões ambientais no Brasil, que voltaram a ficar em evidência com a saída da ministra Marina Silva. Essa mudança no ministério, obviamente, causará impactos na política ambiental brasileira, embora provavelmente não gere grandes mudanças na ação dos órgãos ambientais do governo, o que confirma as conclusões do estudo de Sabatier e Jenkins-Smith.

















Referências bibliográficas

SABATIER, Paul A.; JENKINS-SMITH, Hank C. The advocacy coalition framework: assessment, revisions, and implications for scholars and practitioners. In: Paul A. Sabatier & Hank C. Jenkins-Smith, eds., Policy Change and Learning: an advocacy coalition approach. Boulder: Westview Press, 1993.


Leonardo Spicacci Campos – nº. USP: 6410075

Introdução ao Estudo de Políticas Públicas I – Profª.dra. Marta Rodrigues

19/05/08

Resenha

"Como chega a hora de uma idéia?" e "Juntando as coisas" (John Kingdon)

Formação da agenda e o problema do trânsito na cidade de São Paulo

Enquanto existe, tanto na área da administração quanto na política, um grande acervo de estudos sobre os processos de formulação, implementação e avaliação dentro da produção de uma política pública, a questão da formação da agenda recebe ainda pouco destaque. A grande pergunta sobre esse tema é: quais fatores são determinantes na inclusão ou exclusão de um item na agenda governamental? E mais: o que faz com que um item ganhe maior destaque e aceitação e, assim, seja transferido para a agenda de decisões?

Antes de responder a essas perguntas, é necessário diferenciar os dois tipos de agenda. Segundo John Kingdon, a diferença entre ambas consiste, basicamente, no fato de que a agenda governamental é simplesmente o conjunto de situações definidas pelas autoridades como um problema, enquanto a agenda de decisões é aquela que abriga os assuntos da agenda governamental encaminhados para deliberação.

Para ilustrar a análise de Kingdon em "Juntando as coisas", será utilizado o exemplo da questão do trânsito na cidade de São Paulo. Para o autor, há três explicações para a inclusão de uma situação na agenda governamental: "definição da situação como problema, política e participantes 'visíveis'". A definição de uma situação como um problema, no caso, pode ser explicada pelos três meios pelos quais o governo toma conhecimento das situações: 1. indicadores, que demonstram que a frota de veículos na cidade, que já era grande, aumenta vertiginosamente e que, assim, os congestionamentos tornam-se cada vez maiores; 2. eventos-foco, como os últimos recordes de engarrafamentos registrados na cidade; e 3. feedback, que ocorre principalmente através da imprensa, que, todos os dias mostra a situação de insatisfação dos motoristas e usuários de transporte público paulistanos. A política, assim, é acionada: afinal, não é do interesse de nenhum governante enfrentar uma insatisfação generalizada, como é, atualmente, o que todos aqueles que têm que enfrentar o trânsito de São Paulo experimentam diariamente. Esses participantes "visíveis" (políticos), então, são obrigados a tomar providências.

Passamos, assim, à segunda fase do processo: a inclusão na agenda de decisões. Para que uma questão comece a fazer parte dessa agenda é necessária a junção de três fatores: problemas, políticas públicas (propostas por atores "invisíveis" - técnicos do governo, acadêmicos, burocratas, etc) e apoio político. Nos últimos meses, entre as várias alternativas propostas para a solução dos problemas de trânsito na cidade de São Paulo, destacaram-se duas: a implantação de um pedágio urbano nas vias de maior movimento e a ampliação da malha de trens e metrôs. Enquanto a primeira foi rejeitada, a segunda conseguiu bastante aceitação e já está sendo formulada (obviamente, a implantação total só vai ocorrer daqui a alguns anos). A diferença entre o desfecho de uma e outra está justamente na interação entre os três fatores anteriormente citados.

Em ambas havia o mesmo problema: os engarrafamentos nas principais vias da cidade, sobretudo na chamada hora do rush. Também havia a política pública e a possibilidade de implementá-la. É importante destacar também que, nesse caso, assim como em muitos outros, já havia uma política antes mesmo de o problema entrar no foco das atenções. A ampliação da malha dos transportes sobre trilhos, bem como a instalação de um pedágio urbano já são idéias relativamente antigas. Isso mostra que não necessariamente as políticas públicas são formuladas após o problema ser reconhecido. Em grande parte das situações, já existem políticas públicas esperando uma "janela de oportunidade" (usando o termo de Kingdon) para serem propostas.

A diferença entre a aceitação ou não de uma e de outra na agenda de decisões está no fator político. Como a ampliação do metrô e dos trens não prejudicava ninguém diretamente, houve um grande apoio político. A única limitação possível a ela, que era a restrição orçamentária, foi vencida, já que as obras também serão financiadas pelos governos estadual e federal. A proposta, enfim, só tinha resultados positivos para os paulistanos. Não surpreendentemente, foi aprovada.

O pedágio urbano, por outro lado, não agradou nem um pouco os motoristas, não deixando dúvidas de que sua implementação pela prefeitura de São Paulo seria bastante impopular. Também não por acaso, o projeto foi rejeitado (embora, sem sombra de dúvida, pudesse ser uma solução para aliviar o trânsito na capital).

É claro que todos esses fatores citados podem ser muito mais aprofundados e a questão das soluções para o trânsito de São Paulo não é tão simples assim. Mesmo assim, o exemplo dado permitiu mostrar com clareza que a formação da agenda não depende somente de boas idéias ou reconhecimento de problemas, sendo influenciada por muitas variáveis e favorecida quando ocorre uma interação entre elas.

Referências bibliográficas

  • KINGDON, John. Como chega a hora de uma idéia?. In: Enrique Saravia e Elisabete Ferrarezi, orgs., Políticas Públicas, vol. I (Brasília: ENAP, 2006), pp. 219-224.
  • KINGDON, John. Juntando as coisas. In: Enrique Saravia e Elisabete Ferrarezi, orgs., Políticas Públicas, vol. I (Brasília: ENAP, 2006), pp. 225-245.


Leonardo Spicacci Campos – nº. USP: 6410075

Introdução ao Estudo de Políticas Públicas I – Profª.dra. Marta Rodrigues

12/05/08

Resenha – Aula 8

"Todavia tratando de salir del paso" (Lindblom)

"Salir del paso, ¿'Ciencia' o inercia'?" (Dror)

Democracia, incrementalismo e "inércia administrativa"

É inegável que o incrementalismo ou método do "salir del paso", proposto por Charles E. Lindblom em seu artigo publicado em 1959, deve fazer (e já faz) parte da realidade dos policy makers em todo o mundo, uma vez que propõe uma forma de governar muito viável para manter a estabilidade política, um valor fundamental de qualquer democracia. Essa nova forma fazer políticas públicas baseia-se na ação "tímida", incremental, para mudar a realidade, opondo-se a formas revolucionárias ou bruscas de mudança da situação. Dessa forma, a análise da realidade proposta pelo incrementalismo está bastante distante do que prega o modelo "racional-exaustivo", defendendo a idéia de que a completude de qualquer análise é inalcançável, sendo, portanto, inútil tentar chegar a ela; Lindblom defende uma análise mais prática e objetiva, que não tenha pretensões de abarcar o problema e suas causas como um todo, mas apenas o necessário. Assim, o analista corre menos risco de "perder-se" em alguma etapa da produção de uma política pública, condenando-a, assim, ao fracasso.

O incrementalismo, por adaptar-se extremamente bem ao conservadorismo, na medida em que defende mudanças apenas graduais na ordem vigente, é um método de governar muito presente na política mundial e tende a ser maior nos países em que os governos ainda são controlados, em grande parte, por uma elite. No entanto, governos de centro-esquerda, como o que estamos vivendo agora, têm o incrementalismo como base de suas ações. Até porque, a história já mostrou, não é muito inteligente arriscar-se a fazer mudanças drásticas, sobretudo na ordem socioeconômica. A falta de "incrementalismo" do governo João Goulart, ao propor as reformas de base, foi um dos fatores determinantes para o golpe militar. Obviamente, nossa democracia atual encontra-se num estágio muito mais desenvolvido e estável do que em 1964, de modo que é impensável um novo golpe de Estado (pelo menos, militar); mas, de qualquer forma, a adoção de medidas menos incrementais que as atuais gerariam um desgaste político que não parece atraente a nenhum governante.

É importante ressaltar que isso não quer dizer que o método do "salir del paso" seja a melhor forma de governar, mas que, em geral, é a mais viável. Isso, porém, não é regra absoluta. Em muitos casos a complexidade dos problemas sociais exige uma análise mais próxima da "racional-exaustiva" e, obviamente, quanto mais aprofundada for a análise da realidade, mais sucesso a política pública tende a ter, desde que não se perca o foco. Outra questão importante de ser destacada é que freqüentemente os resultados de uma política não são satisfatórios, nem para os seus fazedores nem para a sociedade. Nesse caso, não cabe uma mudança incremental, mas uma mudança total no programa, uma completa reformulação deste, não apenas um aprimoramento. No entanto, os governos de grande parte dos países democráticos ainda não estão preparados para dar respostas imediatas e efetivas a demandas sociais mais urgentes. Nesses países, a grande fragmentação do poder emperra a ação governamental. O próprio Lindblom em seu artigo de 1979, critica o sistema político americano, atribuindo a ele, e não ao modelo incremental, a falta de atitudes concretas do governo dos Estados Unidos. Nesse sistema, chamado por ele de "ajuste partidário mútuo", o poder de veto é conferido a muitos participantes do processo político. A limitação imposta por esse sistema acaba prejudicando a própria formulação das políticas públicas, obrigando o governo a um incrementalismo total e inadequado para atender as necessidades sociais. Como critica Dror: "O modelo racional-exaustivo tem ao menos a vantagem de estimular os administradores a sair um pouco de sua rotina habitual, enquanto o modelo de Lindblom justifica uma política de "zero esforço" entre os administradores" (pp. 126-127), no que ele denomina "inércia administrativa". Superá-la sem colocar em risco as conquistas democráticas é, sem dúvida, um dos maiores desafios dos governos no século XXI.













Referências bibliográficas

  • LINDBLOM, Charles E., "Todavia tratando de salir del paso". In: Enrique Saravia e Elisabete Ferrarezi, orgs., Políticas Públicas, vol. I (Brasília: ENAP, 2006), pp. 99-122.

DROR, Yehezkel, "Salir del paso, ¿'Ciencia o inercia'?". In: Enrique Saravia e Elisabete Ferrarezi, orgs., Políticas Públicas, vol. I (Brasília: ENAP, 2006), pp. 123-131.


Nome: Leonardo Spicacci Campos nº. USP: 6410075

Introdução ao Estudo de Políticas Públicas I – Profª. Dra. Marta Rodrigues

Resenha da aula 6

"Algumas considerações sobre a representação de interesses no processo de formulação de políticas", de Lenaura Lobato

Relações Estado/sociedade e políticas sociais no Brasil

Apesar de toda a evolução do sistema eleitoral brasileiro, ainda é clara a imaturidade da nossa democracia. Afinal, não é simples acabar com estruturas de poder herdadas do período colonial, que sobreviveram e se adaptaram, inclusive, à transição democrática. Sobretudo no Nordeste, a situação é bastante visível: os herdeiros dos "coronéis" de ontem são os deputados, prefeitos e governadores de hoje. No âmbito federal, isso acaba gerando um grande contraste entre o conservadorismo desses políticos e a modernidade representada pelos novos administradores públicos (exercendo cargos políticos ou não), levando a uma relação entre Estado e sociedade sem coesão e até mesmo incoerente. Se em algumas ações o Estado brasileiro parece estar em grande sintonia com as demandas sociais, em outras se mostra autoritário, representante unicamente das classes dominantes, conservadoras. Do mesmo modo, há três principais focos na análise da relação Estado/sociedade na política brasileira. Estes não são, entretanto, suficientes para a análise dessa relação, uma vez que esta é extremamente complexa e diversificada.

Há na política brasileira uma considerável tendência corporativista, que se tornou ainda mais presente no atual governo, já que o PT, até mesmo por ter surgido no movimento sindical, tem uma maior propensão a "institucionalizar" as relações políticas, reconhecendo determinadas organizações formais como representantes de um grupo de interesse. Assim, facilita a governabilidade e, em geral, reduz conflitos, na medida em que gera mais "arranjos políticos"1 que confrontação de interesses.

Já o pluralismo não marca grande presença (pelo menos não como nos EUA, por exemplo) na realidade do Estado brasileiro. Como realidades pluralistas na política nacional destacam-se os movimentos sociais, surgidos no Brasil principalmente devido à "surdez" do governo em ouvir suas demandas. A relação pluralista estabelecida por esses movimentos é baseada no constante conflito com o Estado, o que não ocorre ou ocorre em menor escala nas relações corporativistas.

O terceiro tipo principal de relação Estado/sociedade no Brasil é o clientelista, uma lamentável "tradição" da política latino-americana que ainda representa um grande entrave ao desenvolvimento político e social da região. A historiadora e socióloga paraguaia Milda Rivarola explica como o clientelismo do século XXI funciona: "Negocia-se entre si repartindo mordomias e cargos e isso rompe por completo a lógica da democracia e da igualdade de direitos, que é inerente à democracia", e alerta "Esse é um ciclo que põe em perigo o desenvolvimento por toda a América Latina"2. Não há dúvidas de que existe uma relação bastante íntima entre clientelismo e corrupção.

Cabe aqui uma pergunta: em que medida as políticas sociais brasileiras são (se é que o são) clientelistas? A questão não pode ser respondida facilmente e de maneira imparcial, já que sua resposta quase inevitavelmente é dada de acordo com visões ideológicas. No entanto, é necessário analisar criticamente alguns dados. Segundo o estudo do Ministério do Desenvolvimento Social, 45 milhões de pessoas são beneficiadas pelo programa Bolsa Família, o que significa um em cada quatro brasileiros3. Essas estatísticas, que num primeiro momento, podem ser interpretadas como um avanço no combate à pobreza devem, no entanto, ser olhadas com desconfiança, ainda mais em um ano eleitoral. Uma notícia realmente boa no futuro seria não mais um aumento no número de beneficiados pelo programa, mas uma redução nesse número – não causada pelo corte de verbas no governo, mas pela real efetividade dessa política, que tiraria as pessoas da pobreza, tornando desnecessária a ajuda governamental. O grande problema é que muitas vezes perde-se o foco. O Bolsa Família que deveria ser uma ajuda emergencial que levasse famílias necessitadas a possibilidades de ascensão social e conquista de direitos fundamentais de cidadania acaba funcionando mais como uma "esmola" do que como uma oportunidade de deixar a pobreza. O senador Cristovam Buarque, em entrevista ao Estadão, critica justamente esse ponto: "A saída da pobreza está nas crianças. Tirar o foco da educação é mudar, no imaginário da população, a noção do direito à emancipação. 'Tenho direito ao dinheiro, mas o direito à educação é só dos ricos.' A escola vira um lugar que dá comida, mas não emancipação"4. Nessa mesma linha, Lenaura Lobato identifica e resume o problema: "[...] as políticas sociais não se efetivaram plenamente no Brasil e em muitos países de economia retardatária. Nestes, a incorporação de demandas sociais se deu de forma alienada, onde a universalização de bens sociais não passou pela cidadania, mas pela extensão de privilégios"5.

Assim, deve haver entre os administradores públicos brasileiros uma grande atenção para a verdadeira essência das políticas sociais, que é a promoção da cidadania e dos direitos fundamentais (alimentação, moradia, educação, trabalho). O Bolsa Família deve, assim, visar não apenas à erradicação da pobreza, mas à emancipação econômica das famílias beneficiadas, proporcionando meios de estas alcançarem sua independência econômica. A ênfase na educação é, nesse contexto, a base fundamental para a conquista efetiva da cidadania universal e da justiça social.

Referências bibliográficas




Leonardo Spicacci Campos - 6410075

Introdução ao Estudo de Políticas Públicas I – Profª.dra. Marta Rodrigues

Resenha

Sobre a espécie Homo Politicus

Robert A. Dahl

Robert A. Dahl, no texto "Sobre a espécie Homo Politicus", faz uma análise das sociedades democráticas, utilizando para isso a cidade de New Haven, nos EUA, classificando seus cidadãos em duas "espécies": Homo Civicus (homem cívico) e Homo Politicus (homem político).

O homem cívico pode ser relacionado ao que, no Brasil, costuma-se chamar de "pacato cidadão", aquele que, para conquistar seus objetivos, dificilmente ou nunca faz uso da atividade política, preferindo usar suas energias no trabalho e em outras "estratégias" mais diretas de satisfazer suas necessidades e desejos. Entretanto, muitas vezes se torna necessário para o homo civicus a participação política direta, como nos casos em que ação governamental pode lhe causar sérios transtornos. Esse suposto interesse do homo civicus na política é, em geral, apenas passageiro, já que este tende a voltar ao seu ritmo de vida habitual após resolvido o problema. Pode-se concluir que a grande maioria da população dos países de democracia representativa pertence à "espécie" homo civicus, já que praticamente só se manifesta politicamente através do voto, como acontece no Brasil.

O homem político é todo aquele que constantemente faz uso da ação política para alcançar seus objetivos. Desse modo, depende diretamente da influência que exerce no homo civicus e em outros homo politicus. Possui, entretanto, um número limitado de estratégias a sua disposição, visto que deve cuidar-se para não desagradar o homem cívico, na medida em que seu poder é legitimado por ele. Dificilmente uma sociedade terá a maioria de seus habitantes pertencendo à "espécie" homo politicus. Uma exceção é a sociedade da Atenas Clássica e seu sistema democrático participativo (considerando-se aqui apenas os habitantes considerados "cidadãos", ou seja, homens atenienses).

Para exercer sua influência nas outras pessoas, o homem político faz uso de estratégias ou recursos, que variam de sociedade para sociedade. Alguns, entretanto, são relevantes em quase todas elas, como carisma, boa oratória, simpatia, influência ou controle direto dos meios de comunicação ou simplesmente recursos financeiros. A identificação com certos grupos, podendo ser religiosa, étnica ou social, por exemplo, também pode ser um recurso de grande influência para o homem político.

Uma sociedade é tão mais democrática politicamente quanto mais dispersos estiverem esses recursos. Essa afirmação leva a uma reflexão e uma conseqüente crítica sobre como se encontra a democracia brasileira, já que, atualmente, há uma grande concentração de recursos, intimamente relacionada à concentração de renda, na medida em que essa permite o financiamento de grandes campanhas eleitorais e, infelizmente, uma maior influência nos meios de comunicação (supostamente) social. É possível afirmar, portanto, que numa sociedade nos mesmos moldes da brasileira, democracia econômica e política são dois conceitos intimamente relacionados e dependentes, não sendo possível que um seja alcançado plenamente sem a conquista do outro.


Leonardo Spicacci Campos - 6410075

Introdução ao Estudo de Políticas Públicas I – Profª.dra. Marta Rodrigues

24/03/08

Resenha

Manifesto do Partido Comunista

Karl Marx e Friedrich Engels

A publicação do Manifesto do Partido Comunista em 1848 foi, indiscutivelmente, uma bomba que influenciou completamente a história mundial, sobretudo no século XX, mas que tem enorme influência ainda hoje. Nessa obra, Marx e Engels "organizam" e registram todo o pensamento comunista europeu até então. Seus princípios têm como base o reconhecimento do antagonismo de classes - burguesia e proletariado - e do domínio da primeira em relação à segunda. A validade dessas afirmações é inegável. Entretanto, as propostas marxistas para a mudança dessa situação desigual e de exploração são, sobretudo atualmente, bastante questionáveis, dadas as muitas mudanças da sociedade nesses mais de 150 anos. A realidade brasileira atual pode ilustrar essa discrepância.

Primeiramente: quem eram os "pobres" da sociedade européia em meados do século XIX? Sem dúvida, os operários das fábricas, sujeitos a condições desumanas de trabalho, péssimos salários e jornadas de trabalho extremamente longas, situações que o afastavam de uma condição humana: "Esse [o operário] se torna um simples acessório da máquina, do qual só se requer a operação mais simples, mais monótona, mais fácil de aprender. Em decorrência, as despesas causadas pelo operário reduzem-se quase exclusivamente aos meios de subsistência de que necessita para sua manutenção e para a reprodução de sua espécie" (MARX & ENGELS, 2006, p. 52). A classificação econômica da época de Marx, portanto, praticamente acompanha a classificação social (burguesia e proletariado). Já nas sociedades contemporâneas, não necessariamente. Aumentou muito o número de proletários que correspondem à classe média: médicos, professores, jornalistas, cientistas e mais a maior parte dos profissionais de nível superior e técnico que, por terem um nível de vida confortável e boas condições de trabalho, não deixam de ser proletários, já que conseguem sua renda através da venda da força de trabalho. Do mesmo modo, ser burguês (no sentido "marxista", e não usual, da palavra) não significa ter uma vida confortável. Essa mudança se deve principalmente ao fato de que, na maioria dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento, o setor terciário ultrapassou a indústria em quantidade de empregados e empregadores. O crescimento desse setor da economia, além disso, fez com que o número de trabalhadores autônomos aumentasse em grande escala. Esses trabalhadores, que Marx chamaria "pequeno-burguesia" também não possuem uma identidade, visto que essa classificação abrange desde a vendedora de doces do metrô até o médico com um consultório no ponto mais valorizado da cidade.

A classificação de Marx é, portanto, insuficiente para explicar as relações sociais de um país como o Brasil atualmente. Já não é nem um pouco nítida a divisão entre burguesia e proletariado, sendo até comum encontrar pessoas que sejam, ao mesmo tempo, burgueses e proletários. Também é importante considerar que um médico, em seu modo de vida, é mais burguês que o dono de um "boteco", que é um burguês com modo de vida proletário. Também é importante ressaltar que, ao contrário do que acreditava Marx, a "pequeno-burguesia" não morreu, não foi "engolida" pelos burgueses.

Por esses e alguns outros motivos é possível dizer que a Revolução proposta por Marx e Engels no Manifesto é impraticável no Brasil atual. Isso, porém, não significa negar a validade ou a importância de suas idéias para compreender e "humanizar" o capitalismo. Por mais que, no Manifesto, Marx e Engels critiquem diretamente os defensores de reformas no sistema (ao invés da Revolução), é através do reformismo que as idéias de esquerda são mais aplicadas atualmente, sobretudo nos governos social-democratas.

Referência bibliográfica

MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Martin Claret 2006.


Leonardo Spicacci Campos - 6410075

Introdução ao Estudo de Políticas Públicas I – Profª.dra. Marta Rodrigues

10/03/08

Resenha

Introdução à teoria da política pública

Enrique Saravia

Em seu texto "Introdução à teoria da política pública", Enrique Saravia relata uma breve história da análise do Estado e da administração pública a partir do século XIX. Várias foram as maneiras de se observar e analisar o Estado e, mesmo com o domínio das ciências administrativas que se verifica nesse estudo atualmente, a realidade estatal ainda se encontra em grande movimento, já que o governo precisa, todo o tempo, reconhecer a necessidade de estar em sintonia com as demandas da sociedade, independentemente da sua posição ideológica. O autor também analisa o processo de implementação de políticas públicas e o uso destas como principais formas de ação estatal.

O cientista político e presidente dos Estados Unidos Woodrow Wilson pode ser considerado o fundador dos estudos na área da administração pública, já que, no final do século XIX, foi o primeiro a pregar a aplicação das leis organizacionais das empresas privadas à administração do Estado, como forma de torná-lo mais eficiente, garantindo a predominância do bem público em relação aos interesses particulares. Desse modo, Wilson difundiu o método de análise do Estado de acordo com uma visão das ciências administrativas, que se espalhou pelo mundo a partir da década de 60 e é, hoje, dominante. A administração pública, porém, possui características próprias, que a distinguem da administração de empresas, na medida em que leva em conta muitos fatores que esta, guiada quase que exclusivamente pelas leis do mercado, não leva. É importante ressaltar, também, que mesmo sendo o enfoque administrativo o principal a ser usado atualmente para a análise da realidade estatal, ainda merecem destaque os enfoques jurídico, sociológico e político, dentre tantos outros necessários para uma visão completa da ação do Estado.

A predominância do enfoque administrativo nas questões estatais não levou, porém, a uma estabilização e a um consenso quanto à melhor maneira de gerir o Estado. Pelo contrário: o crescente dinamismo das relações intra e internacionais gerado pela globalização exigiu que os governos procurassem (e continuem procurando até hoje) formas mais adequadas de intervir na sociedade, visando, ao menos em teoria, a um maior desenvolvimento humano e econômico. Foram várias as técnicas de administração surgidas no século XX. Saravia destaca as quatro de maior influência na política mundial, sobretudo na América Latina. Primeiramente, nas décadas de 50 e 60, as ações dos governos estiveram baseadas na criação de grandes e ambiciosos sistemas de planejamento, dos quais o Plano de Metas do governo JK no Brasil é um bom exemplo. O tempo mostrou que era necessário haver uma maior flexibilização nos projetos governamentais, que deixaram de ser baseados em metas bem definidas, mas antes em estratégias. As dificuldades geradas pelas sucessivas crises econômicas em escala mundial na década de 70 exigiram respostas imediatas dos Estados, que tiveram que dinamizar ainda mais suas reações aos problemas gerados, mais uma vez "herdando" da administração de empresas uma nova técnica: a gestão estratégica. Muitos governos, entretanto, como foi o caso do brasileiro, mostraram-se praticamente indiferentes às mudanças do cenário mundial, o que agravou ainda mais as crises econômicas e evidenciou de uma vez por todas a necessidade de uma inovação nas ações governamentais que permitisse uma resposta ainda mais rápida às necessidades sociais. O desenvolvimento tecnológico e, por conseqüência, das comunicações teve grande importância nesse processo, na medida em que facilitou a democratização da expressão, ainda que hoje essa "liberdade" ainda esteja sujeita aos interesses dos controladores dos meios de comunicação social. Foi nesse contexto que ganhou destaque a ação do Estado por meio de políticas públicas, que, entre todas as formas de atuação estatal é a mais dinâmica e, portanto, a que melhor atende às necessidades da população, sem que isso signifique abandonar o planejamento e a análise profunda da realidade.

Saravia define política pública como "um fluxo de decisões públicas orientado a manter o equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa realidade" (2007, p. 28). Como exemplos de políticas públicas de manutenção do equilíbrio social estão as políticas de combate a epidemias, como a da dengue. Um exemplo de política de "desequilíbrio" é a de cotas sociais e raciais nas universidades, que tira o mérito puro como único critério de seleção no vestibular, mas que visa ao estabelecimento de justiça social e à democratização do acesso ao ensino superior, ou seja, a um equilíbrio social verdadeiro.

A grande dificuldade na implementação de uma política pública deve-se, sobretudo, ao fato de que, obviamente, numa sociedade, sobretudo numa sociedade tão multicultural e desigual como a brasileira, é impossível considerar, no seu planejamento todas as variáveis influentes no processo, o que gera sempre uma sensação de desordem, mesmo nos projetos mais organizados. Assim, com exceção talvez feita ao campo econômico, no qual as políticas públicas brasileiras costumam surtir efeito, ainda há uma enorme dificuldade para se conseguir progressos efetivos em várias áreas, como educação, saúde, alimentação e habitação.

Costuma-se definir três etapas básicas em uma política pública: formulação, implementação e avaliação. Saravia considera que, no caso da América Latina, é necessário detalhar mais cada uma dessas etapas. Desse modo, divide-as em sete. Na fase de formulação: a agenda, que é o reconhecimento de um determinado fato como um problema público e, por conseqüência, a explicitação do interesse do governo em resolvê-lo; a elaboração, que pode ser entendida como a identificação e o estudo do problema, bem como das suas possíveis soluções; e a última fase dessa primeira etapa, que seria a formulação propriamente dita, quando uma das alternativas é selecionada e estudada com mais detalhes. A denominação é um tanto confusa, já que "elaboração" e "formulação" são palavras de significados muito parecidos. A implementação é, segundo Saravia, "constituída pelo planejamento e organização do aparelho administrativo e dos recursos humanos, financeiros, materiais e tecnológicos necessários para executar uma política" (2007, p. 34). A segunda fase da implementação seria a execução, na qual o projeto é, de fato, colocado em prática. Saravia incluiu o acompanhamento, a avaliação durante a execução, com o objetivo de realizar algumas correções que se mostrem necessárias; por último, deveria ocorrer a avaliação, realizada após o término dessas ações estatais, analisando a influência destas na sociedade.

Por fim, é importante ressaltar que toda política pública ou, mais amplamente falando, toda ação governamental, está sujeita ao jogo de interesses típico da política. Desse modo, é necessário conciliar os interesses e valores muitas vezes antagônicos dos diversos atores sociais e instituições estatais (órgãos públicos nos três poderes) e não-estatais (empresas, partidos políticos, sindicatos, etc), sejam esses interesses políticos ou econômicos – quando não, como acontece na maioria dos casos, os dois. A política pública exige, assim, além de "técnica", grande capacidade analítica, organização e "espírito político" apurado, que permita ao gestor lidar com todos os interesses e pressões às quais está sujeito sem abrir mão de seu maior objetivo, que é o bem comum.


Referência bibliográfica

SARAVIA, Enrique. Introdução à teoria da política pública. Brasília: ENAP (Escola Nacional de Administração Pública), 2007.

Nenhum comentário:

Ainda há esperança. Que venham os futuros líderes deste país...

Jovens querem ser políticos

USP LESTE - EACH

Vídeo institucional da EACH parte 1.

Vídeo institucional da EACH parte 2.

Opiniões sobre o ciclo básico da EACH. 1

Opiniões sobre o ciclo básico da EACH. 2