SOBRE POLÍTICOS E BOMBEIROS - ARTIGO PARA DISCIPLINA DE DIREITO CONSTITUCIONAL
Leonardo Spicacci Campos - Direito Constitucional
22 de junho de 2009 - Prof.Dr. Marcelo Arno Nerling
Gestão de Políticas Públicas
Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Universidade de São Paulo
"As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei"
(Carlos Drummond de Andrade)
A crise econômica se espalha pelo mundo todo, mas, no Brasil, quem deveria declarar falência parece não estar sendo nem um pouco abalado por ela: o Congresso Nacional. Não satisfeitos com as concessões de benefícios astronômicos a si mesmos (para aquecer a economia, obviamente), nossos senadores e deputados federais começam agora a combater o desemprego no país. Secretamente, é claro, já que não gostam de ser o centro das atenções. Eu também não gostaria, no lugar deles. A declaração do senador Cristovam Buarque, hoje pela manhã, ilustra bem o panorama da situação do Legislativo Federal: "Hoje não é orgulho ser senador. Se alguém me apresenta como professor, eu tenho mais credibilidade que como senador".
Não é de hoje que o Congresso Nacional anda com a honra meio capenga. Mas também não podemos ser injustos. Ele é apenas a parte mais visível de uma crise de credibilidade que as instituições políticas brasileiras, merecidamente e com louvor, vivem nas últimas décadas, o que é atestado por várias pesquisas de opinião. A última de grande repercussão, divulgada pela Associação dos Magistrados Brasileiros em setembro do ano passado, mostrou que apenas 11% dos brasileiros confiavam nos políticos do país e só 16,1% nos partidos. Sobre o Congresso Nacional, apenas 14,6% e 12,5% confiavam no Senado e na Câmara dos Deputados, respectivamente.
A situação é muito mais grave do que pode parecer à primeira vista. Mais do que uma resposta ao pouco caso dos congressistas pelo dinheiro público e o bom-senso, o resultado da pesquisa reflete uma descrença do povo brasileiro em suas instituições democráticas, aquelas que pelas quais lutou por tanto tempo. Não existe democracia – pelo menos em larga escala – sem Congresso. E teremos um grande problema na medida em que esses mais de 85% que não confiam no Senado transformarem sua descrença nos políticos em descrença nas instituições políticas. Seria a oportunidade perfeita para o surgimento de um "salvador da pátria", personificação do Estado, abrindo a porta para o autoritarismo, a anulação dos direitos e o fim da liberdade e uma ameaça à existência do próprio Estado brasileiro.
O período de prosperidade econômica pelo qual passa o país nos últimos anos parece funcionar, então, como um anestésico. Apatia é a palavra da vez. Ao invés de gerar revolta, as bizarras falcatruas de nossos políticos geram risos. No Brasil, corrupção até ganhou um apelido carinhoso: "jeitinho". O circo dos horrores que é hoje a política brasileira não se tornará menos deprimente se nosso PIB crescer a níveis chineses. Desenvolvimento econômico, sem dúvida, é fundamental, ainda mais com todos os problemas do Brasil. Mas queremos ser apenas um mercado, ou um país, de fato? A música já dizia: a gente não quer só comida, etc, etc, etc...
Estaríamos passando pela pior crise de democracia da nossa história pós-88? Definitivamente, não. Pelo contrário: uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP (Nupps) mostrou que, em 2006, 71,4% dos brasileiros acreditavam que a democracia era o melhor regime político, contra 43,6% em 1989. Prova de que a democracia, de fato, é também um processo de aprendizado. Pelo que parece quando observamos nossos representantes, ainda estamos na pré-escola, mas já encontramos um caminho. Pegando emprestada a metáfora que Ulisses Guimarães usou em 1988, é preciso construí-lo caminhando.
Agora vamos para o outro lado da tabela de credibilidade das instituições. Nele, o corpo de bombeiros ocupa a primeira posição em quase todas as pesquisas. Reconhecimento merecido aos homens e mulheres que, pela sua dedicação e coragem, ainda nos dão orgulho de sermos brasileiros.
O ganho total mensal de um senador, com todos os benefícios, é de mais de 24 mil reais. O salário de um bombeiro, incluindo benefícios, não chega a dois mil. Disso, uma grande parte vai, direta ou indiretamente, financiar nossos congressistas em Brasília. Aqueles mesmos dos castelos e dos cargos secretos. Aqueles que não estão nem aí para a opinião pública.
Fontes de informações
ANDRADE, Claudia. Senador Cristovam Buarque defende afastamento de José Sarney. 22 jun. 2009. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/politica/2009/06/22/ult5773u1449.jhtm>. Acesso em: 22 jun. 2009.
BACOCCINA, Denize. Pesquisa: brasileiro confia mais no Exército e na PF. 27 set. 2007. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI1943752-EI306,00.html>. Acesso em: 22 jun. 2009.
CONTAS ABERTAS, website. Em alta no mercado: brasileiros pagam R$ 1,5 milhão por ano para sustentar cada um dos 81 senadores. Disponível em: <http://contasabertas.uol.com.br/noticias/ >. Acesso em: 22 jun. 2009.
MOVIMENTO NOSSA SÃO PAULO. Paulistano confia menos na Câmara. Disponível em: <http://www.nossasaopaulo.org.br/portal/node/191>. Acesso em: 22 jun. 2009.
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, website. Brasileiros apoiam a democracia, mas desconfiam de suas instituições. Disponível em: <http://www4.usp.br/index.php/sociedade/16693-brasileiros-apoiam-a-democracia-mas-desconfiam-de-suas-instituicoes>. Acesso em: 22 jun. 2009.
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