sábado, 14 de junho de 2008

A VISÃO NEO-UTILITARISTA

A VISÃO NEO-UTILITARISTA
A desilusão com o Estado, que se tornou endêmica no início da década
de 1970, é fácil de compreender. Na África, nem mesmo os observadores
simpatizantes podiam ignorar a paródia cruel das esperanças pós-coloniais,
representadas pela maioria dos Estados no continente.2 Os aparatos estatais
inchados eram indícios óbvios para os latino-americanos das raízes da estagnação
escondida atrás da crise que os confrontava.3 Infelizmente, em vez
de tentar separar o que o Estado podia fazer do que seria pouco provável
que fizesse, concentrando-se então nas mudanças institucionais que iriam
melhorar o desempenho do Estado, os críticos simplesmente demonizaram
o Estado.
A ganância dos políticos e burocratas era vista apenas como conseqüência.
O verdadeiro culpado era o próprio Estado. As burocracias governamentais
foram consideradas estranguladoras do espírito empreendedor ou
desviadas em atividades improdutivas de intermediação de interesses. Livrar-
se delas foi o primeiro passo na agenda desenvolvimentista. O abandono
do Estado como um possível agente do desenvolvimento deixou como
alternativa um pessimismo sem esperança ou “uma fé no mercado”, desprovida
de qualquer crítica. A doutrina ideológica que se tornou popularmente
conhecida como “neoliberalismo” misturou-se a uma série de políticas
elaboradas para dar plena autonomia às forças do mercado.
O neoliberalismo não foi uma inovação intelectual, mas apenas um retorno
à antiga fé no mercado. A versão contemporânea, entretanto, era sustentada
por um aparato analítico que constituía uma modernização significativa
das justificativas prévias para confiar no mercado. A economia
neoclássica sempre reconheceu que “a existência do Estado é essencial para
um Estado mínimo. Em sua forma neoclássica mínima, o Estado era tratado
como uma “caixa preta” exógena, cujas funções internas não eram
assuntos apropriados ou úteis para a análise econômica. Os economistas
políticos neo-utilitaristas, entretanto, se convenceram de que a ação negativa
do Estado era uma conseqüência importante demais para deixar a caixa
preta fechada e aplicaram as “ferramentas-padrão de otimização individual”
à análise do Estado em si (Srinivasan, 1985, p. 41). Economistas como
James Buchanan empregaram seu considerável talento analítico para
desenvolver um modelo “neo-utilitarista” do Estado, que fez parecer ilógico
que as autoridades responsáveis se comportassem de forma consistente
com o bem comum.4
As relações de troca entre governantes e aqueles que lhes dão apoio é a
essência da ação do Estado. Para sobreviver, os autoridades precisam de suporte
político, e aqueles que prestam tal apoio devem receber incentivos
suficientes para evitar um possível apoio a outros candidatos potenciais aos
cargos de governo. As autoridades podem distribuir benefícios diretamente
aos que os apóiam — através de subsídios, empréstimos, empregos, contratos
ou prestação de serviços — ou usar sua autoridade para criar regras
que privilegiem grupos favorecidos, restringindo a capacidade operacional
das forças do mercado. Racionar a disponibilidade de divisas, restringir
a entrada no mercado através da exigência de licenças e introduzir tarifas
e limites quantitativos às importações são exemplos de formas de se criar
privilégios. As autoridades governamentais podem também cobrar para si
uma parte desses privilégios. Na verdade, há quem afirme que “a competição
para entrar no governo é, em parte, uma competição para obter privilégios”
(Krueger, 1974, p. 293). Os altos retornos derivados da busca de
lucros através de atividades improdutivas acabam por dominar as atividades
produtivas e, em conseqüência, a eficiência e o dinamismo econômico
entram em declínio.
Para escapar a esses efeitos deletérios, a esfera de atuação do Estado deve
ser reduzida ao mínimo, e o controle burocrático deve ser substituído por
mecanismos de mercado, sempre que possível. A gama de funções do Estado
consideradas suscetíveis de “mercantilização” varia, mas alguns autores
até especulam a possibilidade de se usarem “prêmios” e outros incentivos
para induzir “piratas” e outros cidadãos civis a responderem, pelo menos
em parte, pela defesa nacional (Auster e Silver, 1979, p. 102).
A visão neo-utilitarista capta, inquestionavelmente, um aspecto significativo
do funcionamento da maioria dos Estados e o aspecto dominante de alguns.
A busca de privilégios, conceptualizada mais primitivamente como
“corrupção”, sempre foi uma faceta conhecida da forma de operação dos Estados
do Terceiro Mundo. Não há dúvida que alguns Estados consomem
conspicuamente os recursos que extraem, encorajam os atores privados a
trocarem suas atividades produtivas pelo rentismo improdutivo, e falham
em prover os bens coletivos. Também não há a menor dúvida de que todos
os Estados são culpados, por algum tempo, por muitos desses pecados. A originalidade
da contribuição dos neo-utilitaristas não reside, entretanto, em
chamar atenção para as realidades empíricas dos Estados do Terceiro Mundo.
Sua virtude foi fornecer um quadro analítico que permitiu explicar essas
realidades, demonstrando como elas podem ser derivadas de um conjunto
parcimonioso de suposições sobre a forma de funcionamento dos Estados.
As polêmicas neo-utilitaristas enterraram a visão do Estado como um
árbitro neutro, sustentada pelos economistas neoclássicos. Sem dúvida a
pressuposição de que as políticas do Estado “refletem os interesses estabelecidos
da sociedade” (Collander, 1984, p. 2) recaptura parcialmente algumas
das percepções iniciais de Marx sobre a desigualdade que caracteriza a
orientação política do Estado. Questionando tanto a busca efetiva de objetivos
comuns (ação coletiva) quanto o cumprimento de ordens (relações dirigente/
agente), os neo-utilitaristas transformaram a coerência do Estado,
de uma “associação compulsória” weberiana, em algo considerado mais
problemático. As preocupações neo-utilitaristas com a “captura” de partes
do aparato do Estado por grupos de interesse forçaram um reexame da pretensão
do Estado em ser um agente da sociedade como um todo e transferiram
o foco da atenção para as relações Estado-sociedade.
Ao definir um padrão de comportamento que pode ou não dominar um
aparato de Estado específico, o neo-utilitarismo foi um valioso estímulo
para a reavaliação da natureza institucional do Estado. Mas como uma teoria-
mestre monocausal aplicável a Estados genericamente, que é o que tende
a se tornar nas mãos de seus seguidores mais radicais, ela obscureceu
mais do que iluminou. Além disso, apesar de sua elegância e aparente rigor,
a própria visão neo-utilitarista teve sérias falhas teóricas. Sua ambição exagerada
e suas falhas tornaram sua retração quase que inevitável.

Nenhum comentário:

Ainda há esperança. Que venham os futuros líderes deste país...

Jovens querem ser políticos

USP LESTE - EACH

Vídeo institucional da EACH parte 1.

Vídeo institucional da EACH parte 2.

Opiniões sobre o ciclo básico da EACH. 1

Opiniões sobre o ciclo básico da EACH. 2