terça-feira, 23 de junho de 2009

RESENHAS IEPP 2 – Profª.Dra. Marta Rodrigues - Leonardo Spicacci Campos

Leonardo Spicacci Campos

Nº. USP: 6410075

Introdução ao Estudo de Políticas Públicas II

Profª. Dra. Marta Maria Assumpção Rodrigues

Resenha

"A construção do insulamento burocrático e do corporativismo e a nacionalização do clientelismo" (Edson Nunes)

Os 15 anos do governo Vargas foram, sem dúvida alguma, um dos períodos de maior transformação do Brasil em vários aspectos, mas, sobretudo, na política e na economia. Nessa década e meia, o Brasil deixou de ser um país fragmentado, dividido entre elites locais e estaduais. Getúlio Vargas, ao exercer o poder, liderou o maior processo de fortalecimento do Estado já visto na história do país, o que só foi possível pela adoção de posturas muitas vezes antagônicas, contentando, ao mesmo tempo, "os grupos rurais, os grupos industriais emergentes, os militares, os profissionais de classe média e os operários" (NUNES, 1997, p. 48). Como se vê, não é fácil (se é que é possível) definir "de que lado" estava o presidente.

De qualquer modo, é claro que a maior característica do governo Vargas foi a centralização do poder nas mãos do governo federal, um processo contínuo que se intensificou no Estado Novo, numa tentativa de anular o federalismo e o poder paralelo das oligarquias estaduais. O paralelo vem em destaque pelo fato de que se deve evitar a falsa impressão de que Getúlio Vargas pôs fim à grande influência das oligarquias rurais na política; na verdade, o presidente somente canalizou a representação desses interesses, de modo a controlá-las, o que não significa que eles não fossem atendidos. Além disso, muitas vezes, para conter o controle que algumas oligarquias exerciam sobre a política estadual, o governo federal utilizou a estratégia de fortalecer oligarquias periféricas, como fez em Pernambuco.

Esse processo de institucionalização dos conflitos, aliás, é a chave para que se entenda como o presidente conseguiu concentrar tanto poder em suas mãos. Essa institucionalização está relacionada à criação de um corporativismo como forma de mediação das relações entre Estado e sociedade. Através da representação organizada e institucionalizada de interesses, Getúlio Vargas conseguia funcionar como um mediador dos interesses da classe industrial e trabalhadora, por exemplo. Obviamente, o diálogo com a classe trabalhadora era feito de forma muito mais autoritária do que com os empresários, uma vez que ocorria através do controle indireto dos sindicatos pelo governo. A prática corporativista à moda Vargas é, por isso, freqüentemente vista como um "adestramento" do proletariado.

O diálogo constante com o empresariado relaciona-se ao processo de insulamento burocrático, que se iniciou nesse governo e esteve presente em várias gestões posteriores. O insulamento burocrático de que Edson Nunes tanto fala no capítulo tratado aqui é uma forma de governar em que a tecnoburocracia é fortalecida, o que normalmente reduz a participação democrática no governo, que é visto como "gestor da sociedade civil" (SARANDY, 2008), e não como controlado por ela. Nesse processo, as agências estatais são fortalecidas, sobretudo aquelas em estreita relação com os industriais, como aconteceu nesse governo.

Outra característica do governo Vargas, de desenvolvimento concomitante à anterior, foi o universalismo dos procedimentos, que se enquadra num processo de racionalização do Estado brasileiro, do qual o principal agente foi o DASP (Departamento de Administração do Serviço Público), que funcionou paralelamente como órgão para a efetivação do controle central em todas as regiões do país. O universalismo de procedimentos encaixa-se perfeitamente no contexto corporativista, uma vez que vê o Estado como co-gestor da sociedade, trabalhando para o contínuo aperfeiçoamento da gestão.

Todos esses procedimentos contribuíram para a centralização cada vez maior do poder em nível nacional, tornando o governo federal o principal agente do desenvolvimento do país. Edson Nunes destaca o fato de o governo de Getúlio Vargas ter traduzido o clientelismo "para as instituições formais por meio da operação de um sistema político que beneficiava os grupos locais e estaduais remanescentes da República Velha" (1997, p. 47) foi o golpe de mestre para garantir a governabilidade e o poder que conseguiu, sem dúvida, com muito êxito.

Essa característica de progressismo combinado à manutenção de velhos poderes torna o período varguista um dos mais polêmicos da história brasileira, assim como seu personagem principal. Seja tratado como o "pai dos pobres" ou como um tirano conservador da pior espécie, o fato é que Getúlio Vargas entrará para a história (como ele mesmo mostrou saber) como uma figura tão lendária quanto misteriosa na história do Brasil.




Referências bibliográficas

NUNES, Edson de Oliveira. A gramática política do Brasil: clientelismo e insulamento burocrático. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora; Brasília: Escola Nacional de Administração Pública, 1997, pp. 47-65.

SARANDY, Flávio. Apresentação de slides disponível na internet:
<br.geocities.com/flaviosarandy/Slides3_Politica_brasileira.ppt>. Acesso em: 13/10/08.


Leonardo Spicacci Campos

Nº. USP: 6410075

Introdução ao Estudo de Políticas Públicas II

Profª. Dra. Marta Maria Assumpção Rodrigues

Resenha

"Do Império à República: centralização, desequilíbrios regionais e descentralização"

(Simon Schwartzman)

A estrutura do poder durante a história brasileira, especialmente na Primeira República, foi e ainda é, pela sua complexidade e aparente incoerência, alvo do estudo de inúmeros especialistas, tanto da história quanto da ciência política. Analisando-se as dimensões mais locais do governo, pode-se chegar facilmente à conclusão de que o poder no Brasil estava, basicamente, na mão dos grandes "coronéis" do campo, que exerciam o controle sobre a grande maioria da população num país essencialmente rural como o Brasil da época. Esse poder, é claro, era projetado nos escalões mais altos do poder, em nível estadual (com a República e a conseqüente implementação do federalismo, com eleições estaduais) e federal, através da política dos governadores. No entanto, é fundamental destacar que tal situação não representa um total controle do poder em nível nacional pelas elites agrárias. Como mostra Schwartzman, no seguinte trecho:

        "Na realidade, o debate entre as teorias da centralização e a do poder descentralizado está mal colocado. Não ocorria uma destas coisas, mas as duas. De um lado, um poder político centralizado e hierárquico, que não dependia de bases locais de sustentação, apoiando-se na própria máquina administrativa governamental para subsistir e se afirmar. De outro, um poder privado e autônomo difuso, que só adquiria expressão política quando era cooptado pelo Estado, e que entrava em uma trajetória de conflito e derrota quando pretendia se articular [...] como força política autônoma e representativa de seus interesses" (SCHWARTZMAN, 1988, cap. 5)

Portanto, como ressalta Victor Nunes Leal, em "Coronelismo, enxada e voto", o sistema coronelista não foi resultado do aumento do poder dos grandes latifundiários, mas, pelo contrário, de sua decadência. Representa a tentativa de adaptação destes à nova realidade do Estado brasileiro, que se fortalecia a cada momento, entre outros fatores, pelo aumento da sua força coercitiva e da implementação de políticas governamentais. Schwartzman, desse mesmo modo, ressalta a dependência dos coronéis da legitimação através do aparelho do Estado: seu poder, cada vez mais, estava vinculado à conquista de cargos políticos dentro deste.

A República brasileira, até 1930, não representou, desse modo, uma grande mudança frente à situação política do país no Império. Os republicanos, necessitando conquistar apoio entre a população, evitavam tocar em temas controversos e que pudessem gerar rivais. O Manifesto Republicano de 1870, marco do início do movimento, ilustra bem essa situação: ataca ferozmente a monarquia e a considera a fonte de todas as mazelas do país, mas não oferece soluções alternativas para resolvê-las, já que estas envolveriam profundas mudanças na estrutura de poder do interior do país. Apesar disso, muitas eram as propostas para a futura República, da qual duas se destacavam: a que pode ser chamada de "paulista" e a militar.

O modelo republicano dominante no estado de São Paulo, defendido pelo Partido Republicano Paulista (PRP), tinha como sua principal característica a adoção de um federalismo que garantisse uma alta independência aos estados, em perfeita coerência com os interesses das oligarquias paulistas, que podiam, assim, garantir condições de comércio mais favoráveis, à medida que poderia negociar diretamente com os importadores as condições de venda do café. Com relação à escravidão, as declarações do PRP também iam ao encontro dos interesses da oligarquia cafeeira. A gradativa adoção da mão-de-obra assalariada imigrante tornava a manutenção do regime escravocrata mais dispensável, mas não ainda não tinha tornado o estado independente do seu uso. Assim, o PRP defendia a idéia de que cada estado deveria ser responsável pela libertação ou não de seus escravos, na medida em que as condições econômicas permitissem (além disso, havia uma forte menção ao "direito de propriedade"). Essa postura era contrária à dos republicanos cariocas, por exemplo, que, mais independentes das oligarquias rurais, defendiam a completa abolição da escravatura.

O modelo militar de República, do qual o mais ardente defensor foi Silva Jardim, era essencialmente positivista. Defendia um governo "centralizado, racional, modernizado e ditatorial, legitimado por plebiscitos, de evidente inspiração francesa" (SCHWARTZMAN, 1988, cap. 5). Era defendido pelo Exército e influenciou fortemente a política gaúcha, bastante marcada pela presença de militares.

De qualquer modo, é inegável que a República real tornou-se algo muito aquém dos projetos de ambos. Talvez o único lugar do Brasil para o qual a situação da República Velha era favorável era o estado de Minas Gerais, destino de grande parte dos investimentos do governo federal, claramente desproporcionais à contribuição do estado para a economia do país. O equilíbrio gerado pela política do café-com-leite foi rompido, porém, nas eleições de 1930, quando São Paulo, "trapaceando" nas "regras do jogo", indica um paulista para a sucessão de Washington Luís, então presidente. Tal atitude gera a Revolução que coloca Getúlio Vargas no poder, resultado também de um sistema desgastado e há muito condenado ao fracasso. Havia nos revolucionários de 30 um sentimento de que era chegada a hora de o Estado brasileiro retomar sua autonomia, dando um basta ao poderio das oligarquias que há décadas era um empecilho ao desenvolvimento da democracia plena no país, o que, de fato, aconteceu, embora a história tenha mostrado que a época varguista tenha ficado bem distante de qualquer ideal democrático.


Referências bibliográficas

SCHWARTZMAN, Simon. Bases do autoritarismo brasileiro. 3ª edição revista e ampliada Editora Campus, 1988.


Leonardo Spicacci Campos

Nº. USP: 6410075

Introdução ao Estudo de Políticas Públicas II

Profª. Dra. Marta Maria Assumpção Rodrigues

Resenha

"A reforma sanitária 'pelo alto': o pioneirismo paulista do século XX" e "As origens da reforma sanitária e da modernização conservadora na Bahia durante a Primeira República" (Luiz A. de Castro Santos)

Num país como o Brasil do final do século XIX, onde a maior parte da população vivia sob condições econômicas e higiênicas extremamente críticas, seja na cidade, seja no campo, não é espantoso que a saúde fosse uma questão problemática. Os maiores problemas do país nessa área, na época, não estavam ligados a fatalidades ou epidemias inevitáveis causadas por microorganismos perigosos, mas a males diretamente provindos dessas condições. No campo, a população era constantemente vitimada pelas endemias rurais, doenças como o mal de Chagas e a malária, que já eram tratadas como um fenômeno natural nessas regiões do país. As cidades, em especial as portuárias, eram grandes bolsões de doenças de todo o tipo; resultado, principalmente, das precárias condições de moradia a que estavam expostos um número considerável de seus habitantes, em cortiços e barracos, extremamente concentrados.

Outra característica da sociedade brasileira no final do século XIX era o grande poder desfrutado pelos "coronéis" da zona rural. Houve, entretanto, diferenças decisivas no modo como a organização desse poder evoluiu em cada estado do país, sobretudo nas primeiras décadas do século XX. Aqui, serão tratadas as diferenças entre os estados de São Paulo e da Bahia.

A economia baiana do início do século XX era caracterizada pela excessiva fragmentação e o baixíssimo dinamismo. O poder estava centrado nas municipalidades, comandadas pelos seus respectivos "coronéis", fato relacionado à própria fragmentação da economia. Uma organização como essa dificultava a manutenção de governos estaduais fortes, uma vez que era dificílimo estabelecer o consenso entre as várias elites dominantes no estado. Era, desse modo, impossível para o poder estadual interferir na realidade no interior, iniciando uma tendência de concentração da ação do governo na capital.

A situação em São Paulo após a Proclamação da República, foi, aos poucos, se tornando bastante diferente desta. O Partido Republicano Paulista (PRP), controlado pelas elites agrárias, foi, com o tempo, se consolidando no estado, graças a sua organização centralizada e disciplinada. Em São Paulo, portanto, vingou um sistema de partido único, facilitando o desenvolvimento de políticas no âmbito estadual. A integração entre as elites paulistas era facilitada pelo desenvolvido sistema de transportes, sobretudo ferrovias, que deram um dinamismo único à economia do estado, já integrada pelo fato de ser essencialmente baseada no café (na Bahia, eram vários os produtos de exportação). Aqui o que interessa é tratar a questão da reforma sanitária, mas essas diferentes organizações de poder foram decisivas em vários aspectos.

É importante dizer que a integração entre ciência e Estado foi uma diferença fundamental para os destinos de ambos os estados nessa área. Na Bahia, o desenvolvimento da saúde foi dificultado, paradoxalmente, pela tradicional classe médica da Faculdade de Medicina do estado, resistente aos avanços da pesquisa de doenças tropicais da chamada Escola Tropicalista. No estado de São Paulo, pelo contrário, a inexistência de uma longa tradição médica facilitou o desenvolvimento da pesquisa científica que foi, desde cedo, incentivada pelo governo estadual.

Esse incentivo, é claro, estava ligado não só a interesses sociais, mas também (ou até principalmente) econômicos. São Paulo procurava, desde o século XIX, atrair a mão-de-obra européia, o que seria, obviamente, dificultado caso o país ficasse conhecido no Velho Mundo pela sua insalubridade. Além disso, os imigrantes eram alvo das campanhas de saúde de outro modo: logo na chegada aos portos, quando já eram vacinados, numa preocupação do governo estadual de que estes não se tornarem vetores de doenças pelo interior. Apesar disso, não foram poucas as graves epidemias nas cidades paulistas. No campo, houve grande resistência dos "coronéis" à fiscalização governamental nas suas propriedades até 1917, quando foi estabelecido pelo governador o Código de Saúde, com regulamentos mais rígidos para a questão da higiene no estado, o que representou um enorme passo à frente na reforma sanitarista.

Enquanto isso, na Bahia, com poucas exceções, o campo ainda era uma terra sem lei (que não fosse a de cada coronel, é claro). Na década de 20, a questão da higiene recebeu destaque e passou a contar, principalmente, com a participação do governo federal, que deu especial atenção ao sertão do país, movido, entre outros fatores, pela ideologia de "salvação dos sertões", muito influente também em São Paulo (onde o sentimento de construção nacional através da missão civilizatória é muito relevante para a explicação dos atos políticos). Assim, enquanto no estado de São Paulo o governo estadual foi o protagonista do desenvolvimento do setor da saúde, na Bahia essa ação ficou consideravelmente concentrada nas mãos do governo federal (que, junto com a Fundação Rockefeller, foi responsável pela instalação de vários postos de saúde no interior, cuja principal função era promover campanhas de vacinação).

O importante papel exercido pelos paulistas nessa questão contribuiu para o crescimento da influência e, sobretudo, da autonomia do estado perante suas oligarquias (mesmo considerando-se o fato de que o PRP – partido dominante e, praticamente, único – era, justamente, uma união dessa elite) e perante o governo federal. Além, é claro, de melhores condições de vida para sua população, com um crescimento considerável dos indicadores sociais durante a Primeira República, que, posteriormente, inspirou as políticas de saúde getulistas em todo o país. De qualquer modo, o mais importante a ser observado nesse fenômeno não são as diferenças entre o processo entre um estado e outro, mas a grande semelhança entre ambos, que está no fato de que, a saúde não pode ser considerada uma conquista popular, ao contrário da realidade dos países europeus, por exemplo. Isso acontece porque, como diz Santos, o Estado (seja ele o estado propriamente dito ou o Estado federal) foi o protagonista dessa mudança, controlada pelas classes dominantes, no que ele chamou "modernização conservadora" ou "pelo alto".

Referências bibliográficas

SANTOS, Luiz A. de Castro. A reforma sanitária "pelo alto": o pioneirismo paulista do início do século XX. Dados. Revista de Ciências Sociais, vol.36, nº. 3 (Rio de Janeiro, 1993), pp. 361-392.

SANTOS, Luiz A. de Castro. As origens da reforma sanitária e da modernização conservadora na Bahia durante a Primeira República. Disponível em: SciELO: <http://www.scielo.org/>.


Leonardo Spicacci Campos

Nº. USP: 6410075

Introdução ao Estudo de Políticas Públicas II

Profª. Dra. Marta Maria Assumpção Rodrigues

Resenha

"Coronelismo, Enxada e Voto" (Victor Nunes Leal)

Um estrangeiro que desse uma primeira olhada na história do Brasil ficaria, sem dúvida, confuso quando observasse a realidade política da República Velha (1889-1930). Isso porque, examinando nosso sistema eleitoral, seria levado a crer que o Brasil era um país muito bem sucedido em sua democracia: em comparação a outros países, inclusive europeus, o voto era acessível a grande parte da população. Em seguida, quando se aprofundasse mais na realidade política do país, não teria dúvida de que aquilo que se verificava aqui estava bem longe dos princípios democráticos. O maior responsável por essa estranha situação é o chamado coronelismo, "resultado da superposição de formas desenvolvidas de regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada" (LEAL, p. 20).

Para entender o funcionamento do coronelismo seria necessário, antes de tudo, entender a situação da terra no Brasil. No início do século XX, cerca de 80% da população brasileira vivia em áreas rurais, sobretudo em grandes propriedades ou subordinadas a elas (pequenos proprietários no entorno desses latifúndios). A fraca presença do Estado brasileiro nessas áreas permitiu que se desenvolvessem, desde o período colonial, relações sociais baseadas no paternalismo e clientelismo, numa total subordinação do trabalhador rural ao controle do senhor das terras em todos os aspectos da sua vida (embora não necessariamente ao senhor das terras). Dentro da sua área de influência, o grande proprietário rural era, ele próprio, o Estado. Desenvolviam-se laços de fidelidade absoluta do camponês ao "coronel", que era quem lhe provia o (mísero) sustento.

A possibilidade de possuir o poder político oficial, vinda, sobretudo, com a Proclamação da República, em 1889, permitiu a consolidação desse poderio. Assim, nos dias de eleição os "coronéis" guiavam suas "tropas" de votantes para os locais de votação, a fim de manter sua dominação local. É importante ressaltar que havia pouco de violência nesse processo: para o pobre e extremamente ignorante trabalhador rural o voto nada mais era do que uma forma de retribuir toda a bondade de seu patrão. A realidade era aquela e ponto, o que só começou a ser contestado com a aproximação do campo e da cidade e a chegada do rádio, capaz de levar as notícias até os mais ignorantes, já que não exigia alfabetização para ser entendido.

A detenção de um cargo político em muito se afastava do ideal democrático. Era apenas uma forma de manter o domínio; nada havia nela de ideológico. Os coronéis migravam de partido sem pudor algum, geralmente para aquele que estivesse na situação no âmbito estadual. Era fundamental que isso acontecesse para que estes conseguissem manter-se no poder, uma vez que os míseros recursos municipais não eram suficientes para a realização de obras públicas, como escolas, pontes e hospitais. Do mesmo modo, era interessante para os governos estaduais contar com o apoio dos coronéis em suas respectivas municipalidades, para a manutenção do seu poder. A falta de independência econômica dos municípios brasileiros, portanto, foi um fator importante para a continuidade do coronelismo no campo. Victor Nunes Leal, em "Coronelismo, enxada e voto", discorre sobre as relações entre governos estaduais e municipais no seguinte trecho:

          "A essência, portanto, do compromisso "coronelista" – salvo situações especiais que não constituem regra – consiste no seguinte: da parte dos chefes locais, incondicional apoio aos candidatos do oficialismo nas eleições e federais; da parte da situação estadual, carta-branca ao chefe local governista (de preferência o líder da facção local majoritária) em todos os assuntos relativos ao município, inclusive na nomeação de funcionários estaduais do lugar" (LEAL, p. 50).

Tal sistema, é claro, só poderia levar a uma situação de corrupção absoluta. Dinheiro público era utilizado para fins partidários sem pudor algum; o "filhotismo" ou nepotismo (como é mais conhecido hoje), era visto como algo completamente natural, que não se resumia aos cargos de confiança, mas a todo e qualquer funcionário público; e outras tantas situações que só demonstram uma total falta de respeito pelo que é público.

Depois de toda essa explicação, nosso amigo estrangeiro se interessaria em estudar nossa política atual. Veria nos jornais notícias sobre a bancada ruralista, o nepotismo, o clientelismo, a compra de votos, patrimonialismo e infidelidade partidária. Veria os fogos de artifício na pequena cidade nordestina "administrada" (com enfáticas aspas) pelo filho de Renan Calheiros no dia em que o ex-senador foi absolvido. Veria a família Magalhães e tantos outros sobrenomes que já teria visto tantas vezes nas histórias da Primeira República. E ficaria pensando por que lhe tinha dito que coronelismo era coisa da República Velha.



Referências bibliográficas

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. Rio de Janeiro: 3ª. Edição.


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