quinta-feira, 17 de maio de 2012

"O Estado como problema e como solução" (Peter Evans)


Leonardo Spicacci Campos – nº. USP: 6410075
Introdução ao Estudo de Políticas Públicas I – Profª.dra. Marta Rodrigues
16/06/08
Resenha
"O Estado como problema e como solução" (Peter Evans)
EVANS, Peter. O Estado como Problema e como Solução. Revista Lua Nova, n. 28/29, 1993.
Peter Evans, no artigo "O Estado como problema e como solução", identifica três "ondas" (pensamentos) na compreensão da importância do Estado para o desenvolvimento econômico no pós-guerra. Na "primeira onda", predominante nas décadas de 50 e 60, o Estado era visto como o principal agente econômico responsável pelo desenvolvimento. As crises econômicas mundiais originadas principalmente pelo petróleo, abalaram seriamente a crença no Estado como garantia de bem-estar econômico e geraram a "segunda onda", caracterizada pelo pensamento neoliberal, que via o Estado como um problema que, por isso, deveria ser reduzido ao mínimo. Acreditava-se na ação reguladora natural da "mão invisível" da economia, cabendo ao Estado somente a "proteção dos direitos individuais, pessoas e propriedades e a execução de contratos privados previamente negociados" (p. 112).
Nas últimas décadas, porém, ganhou força a corrente de pensamento que defende o Estado ativo como condição importantíssima para o desenvolvimento econômico, a chamada "terceira onda", defendida por Evans. O autor, a partir daí, mostra situações reais que comprovam a validade de sua teoria, que contrapõe o Estado predatório (Zaire, atual República Democrática do Congo) com o Estado desenvolvimentista (Japão, Coréia do Sul e Taiwan). Evans também cita Brasil e Índia, que se encontram no meio do caminho entre um e outro tipo.
Mas antes de explanar os exemplos dados, Peter Evans ataca a visão muito difundida de burocracia como entrave ao desenvolvimento econômico. O que acontece, na verdade, é justamente o contrário. A existência de uma burocracia bem estruturada, baseada essencialmente em critérios meritocráticos e "na qual os indivíduos encaram a implementação de metas corporativas como o melhor meio de maximizar seu próprio interesse individual" (p. 115) é uma condição fundamental para o crescimento econômico efetivo. O problema na burocracia brasileira é, desse modo, justamente a falta dos princípios burocráticos, já que o número de cargos ocupados por indicações políticas é extremamente alto se comparado a outros países. No Japão, em contraste, a valorização dos cargos públicos, o uso de critérios exclusivamente meritocráticos e a possibilidade de carreira no setor público gera uma burocracia eficiente e competente. Isso, junto com alguns outros fatores, faz com que o MITI (Ministério do Comércio Internacional e da Indústria), órgão do governo japonês com maior influência no desenvolvimento industrial, tenha uma legitimidade que o permite ter autonomia perante aos interesse individuais ou às empresas, no sentido de guiar a economia e fazer valer a sua vontade, baseada em estudos avançados realizados por profissionais altamente especializados.
É importante ressaltar que a autonomia do Estado desenvolvimentista é bastante diferente daquela do Estado predatório, como o Zaire. Uma burocracia autônoma, no sentido utilizado por Evans e por Weber é aquela que não é influenciada por interesses particulares, mas age visando o bem comum. No Zaire, a suposta "autonomia" era resultado de um regime autoritário e personalista, sendo o completo oposto da anterior, uma vez que atendia aos interesses pessoais dos detentores dos postos altos do governo. É importante ressaltar também que uma burocracia autônoma não é aquela que ignora a classe empresarial, mas a que age junto a ela, sempre impondo, porém, as metas que julga melhor para garantir o desenvolvimento.
Assim, a autonomia do Estado não é suficiente em si. É necessário que haja uma autonomia inserida, ou seja, uma integração entre Estado e mercado com o objetivo de aperfeiçoar o desempenho da economia e gerar desenvolvimento econômico. Nos países de industrialização tardia, por exemplo, o Estado funcionou como mobilizador de recursos que os empresários não tinham condições de adquirir (tecnologia avançada em máquinas, por exemplo) e também como investidor ou minimizador de riscos nas áreas da economia em que o investimento se tornava necessário, mas nas quais os empresários não mostravam "coragem" em arriscar seu capital.
A busca pela autonomia inserida do Estado é típica do Brasil sob o governo Juscelino Kubitscheck com seu caráter desenvolvimentista. Apesar de todo o desenvolvimento econômico alcançado nos cinco anos do governo JK (sobretudo no setor industrial), o velho conservadorismo da elite agrária, clientelista e patrimonial, mais uma vez representou um entrave ao crescimento econômico. A reforma burocrática brasileira limitou-se à criação de "bolsões de eficiência", como foi o caso do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento, atual BNDES), que possuía todas as características de um sistema burocrático weberiano, tornando-se exemplo de eficiência, como demonstram as estatísticas: enquanto os projetos de responsabilidade do BNDE cumpriram 102% das metas dadas a eles pelo governo JK, aqueles delegados às burocracias tradicionais (não muito burocráticas...) alcançaram apenas 32% de satisfação dos objetivos. Entre estes setores, estavam a saúde e a educação – ainda hoje bastante problemáticas no país. O Brasil, portanto, apesar do sucesso no desenvolvimento industrial, manteve estruturas burocráticas deficientes, infestadas pela politicagem e onde as relações e acordos ocorrem mais individual que coletivamente.
A partir dessa exposição, percebe-se o que gera grande parte dos entraves ao desenvolvimento econômico. A autonomia burocrática só faz sentido com a inserção e vice-versa. Enquanto o Zaire falha ao possuir autonomia (no sentido de "força política" e não de isenção de interesses particularistas) sem inserção, o Brasil pratica a inserção sem a autonomia necessária. Além disso, como diz Peter Evans, "quase todos os Estados do Terceiro Mundo tentam fazer mais do que são capazes" (p. 151) e acabam criando burocracias desorientadas, que tendem à ineficiência, ao patrimonialismo e à corrupção.
Vencer esses problemas estruturais não é uma tarefa fácil nem rápida e exige, antes de tudo, uma democracia bem estabelecida para que o poder dos governantes seja suficientemente legítimo para que estes implementem reformas estruturais com coragem e sem ameaçar a estabilidade política. O Brasil, desde 1993 (ano em que foi publicado o artigo), evoluiu muito nesse sentido e, principalmente nos últimos anos, tem alcançado um desenvolvimento econômico mais intenso que nas décadas anteriores. Ainda permanece o desafio de chegar-se ao ideal de Estado com autonomia inserida, mas a atual conjuntura pode levar a crer que não estamos tão longe assim disso. Ou, pelo menos, que estamos mais perto do que estávamos há 15 anos.

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