domingo, 4 de novembro de 2012

Organizações Sociais e Interesse Público

Nas últimas semanas na cidade de São Paulo, embaladas pelas eleições locais, voltaram à baila com certo entusiasmo discussões sobre o papel central que as organizações sociais possuem na gestão da saúde no município. Os debates televisivos entre os postulantes ao cargo de prefeito mostravam que ambos os escolhidos para o segundo turno apoiavam a ideia, sendo que o candidato do partido da social democracia brasileira com bastante fervor, já o candidato do partido dos trabalhadores tentava guardar certa reflexão crítica sobre o tema. Certo é que, o escolhido para ser o gestor municipal a partir de janeiro de 2013, deverá enfrentar o desafio de tornar a saúde da cidade mais eficiente e efetiva com a presença das chamadas Organizações Sociais de Saúde (OSs), pelo menos num primeiro momento, já que sua retirada de campo num momento em que elas administram 60% das unidades de saúde existentes pode ser bastante trabalhosa. 

A constituição federal define em seu artigo 196 que a saúde é dever do Estado, porém afirma no artigo 197 que as ações e serviços de saúde podem ser executadas diretamente ou através de terceiros, pessoa física ou jurídica de direito privado. O artigo 199 em seu parágrafo primeiro nos informa, porém, que a participação privada na saúde deve se dar de maneira complementar. Reafirmando a lei maior, a regulamentação do Sistema Único de Saúde, na forma da lei 8080 de 1990 é clara em seu parágrafo segundo do artigo 4º, colocando que a iniciativa privada pode participar do SUS em caráter complementar. Então vemos aqui um flagrante problema com a gestão da saúde do município de São Paulo, que também ocorre em outras unidades da federação, que é o fato do papel das organizações sociais já não ser complementar, dado que já detém sob sua gestão mais da metade dos equipamentos do sistema, incorrendo então em inconstitucionalidade.

Outro ponto que merece reflexão reside na lei que criou as OS's no âmbito do município de São Paulo, a lei 14.132 de 24 de janeiro de 2006, que em seu artigo 5º parágrafo primeiro explicita que "É dispensável a licitação para a celebração dos contratos de que trata o "caput" deste artigo, nos termos do art. 24, inciso XXIV, da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei Federal nº 9.648, de 27 de maio de 1998". Ocorre que a interpretação que se adéqua à constituição e à lei é a que compreende ser dispensável de licitação contratos de terceiros com as Os's, naquelas atividades descritas no contrato de gestão que elas firmaram com o poder público, portanto nas atividades fim das organizações e não como quer a lei municipal, viciada em seu artigo 5º, dispensando de licitação a escolha da organização pelo poder público, o que infelizmente vem ocorrendo. O espírito do terceiro setor deve ser o espírito público, como assim quer a legislação do país, portanto devem também se nortear pelos princípios da administração pública, sendo que inclusive seus representantes tem o benefício de isenções tributárias para alavancarem suas atividades, assim nos parece claro o desvirtuamento deste mandamento no atual quadro da saúde em muitas localidades Brasil afora. 

Existe ação direta de inconstitucionalidade no STF (supremo tribunal federal) em relação a estes pontos levantados. Muito embora ainda não se tenha um pronunciamento definitivo do poder judiciário de modo a dar mais segurança para as partes no contrato de gestão, a população brasileira em geral e a paulistana de maneira particular esperam e devem cobrar gestão eficiente da saúde pública, para que possam ter a certeza que contarão com a qualidade merecida, à altura da carga de impostos recolhida, este é um grande desafio para o prefeito eleito. Os embates e discussões acerca de erros e acertos na legislação, no intuito de afastar falhas, omissões ou vícios do processo legislativo são marcas indeléveis do funcionamento das instituições democráticas, é bom que aconteçam, porém o sinal mais contundente de amadurecimento democrático-institucional é o respeito absoluto à carta política promulgada contendo a vontade popular, sem tergiversações.

Valdir Ferigolli Júnior, discente do 6º semestre da graduação em Gestão de Políticas Públicas - USP; Artigo apresentado para o aproveitamento da disciplina de Gestão de Organizações sem fins lucrativos, sob orientação do professor Dr. Marcelo Arno Nerling.

 

Referencias Bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti. São Paulo,Saraiva,8.Ed.2012.

http://www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/integra.asp?alt=25012006L%20141320000 acesso em 28 de outubro de 2012.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm acesso em 28 de outubro de 2012.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8080.htm acesso em 04 de novembro de 2012.

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