segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Legislação paulista sobre contrato de gestão fere o princípio de impessoalidade e potencializa ineficiência

Surgido  na década de 90, o Programa Nacional de Publicização do Estado (PNP)  possibilitou que parcela de uma gama de serviços públicos fosse gerida diretamente por organizações privadas sem fins lucrativos, sob regulação e controle do Estado. Esse programa  fundamenta-se na ideia de que a gerência direta da prestação de serviços públicos por associações ou fundações privadas aumentaria a flexibilidade, a efetividade e a eficiência dos mesmos.

Atualmente, a relação entre entes e organizações privadas sem fins lucrativos nos moldes do PNP se dá por duas espécies de contrato: Contrato de gestão, que pode ser efetuado entre um ente e uma organização qualificada como Organização Social  (OS), e termo de parceria, que pode ser efetuado entre um ente e uma organização qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).

Tendo sido objeto de requisição de ação direta de inconstitucionalidade, a questão  sobre a necessidade de licitação para seleção de OSs e OSCIPs pelo Poder Público para contrato não é consensuada pelos entes da federação. Indício disso é diferença de posicionamento entre o governo federal e o governo estadual de São Paulo sobre a questão. O Decreto Federal nº 7.568, de 2011, torna obrigatório o processo seletivo de OSCIP por meio de publicação de edital de concursos de projetos. Na contramão do Executivo Federal, para o estado de São Paulo é dispensável licitação para realizar contratos de gestão com Organizações Sociais. É o que indica o Art.6, paragrafo 1º da Lei complementar 846, de 1998. O município de São Paulo tem regra semelhante à do estado, Lei  14.132, de 2006 .

A Constituição Federal, no Artigo 22, inciso XXVII, indica que legislar sobre normas gerais de contratação e licitação, em todas as modalidades, para todos os entes federativos, é de competência privativa da União. Assim, considerando a gravidade da matéria dispensa de licitação, a legislação paulista sobre o assunto já deve ser discutida no âmbito da legalidade pela questão da competência!

Além disso, o Artigo 37, inciso XXI da própria Constituição aponta que, ressalvados casos especificados na legislação, os serviços serão contratados pela Administração Pública via licitação pública. A Lei (ordinária) 8.666 justamente regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, reiterando o processo licitatório como norma. Os contratos de gestão são citados no Artigo 24, inciso XXIV, que indica que há dispensa de licitação para: "a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão".

Tendo em vista a relevância da licitação para a gestão pública, é facilmente compreensível   que a estrutura gramatical do texto legal não deve indicar que há dispensa de licitação para a seleção da OS ou da OSCIP a ser contratada, mas sim que há dispensa de licitação para a prestação de serviços que forem acordados, contemplados, no contrato. Todavia, esse não é o entendimento hegemônico do Poder Judiciário brasileiro, o que justamente abre brecha para a referida legislação paulista. Mesmo assim, o STF ressalta  no voto da ADIN nº 1.923/DF que a objetividade e a impessoalidade são vitais para os processos seletivos, justamente princípios que a licitação visa consolidar!

Infelizmente, além de ferir a competência privativa da União de legislar sobre a matéria, a legislação paulista é injustificável na medida em que se utiliza de uma interpretação bastante questionável do Artigo 24 da Lei 8.666 de forma dispensar a licitação, o que favorece a pessoalidade e a ineficiência, ferindo princípios constitucionais da administração pública.

 

Artigo escrito pela discente Litza de Oliveira Amorim, do Bacharelado em Gestão de Políticas Públicas, sob orientação geral do Professor Doutor Marcelo Arno Nerling através da Docência na disciplina Gestão de Organizações Sem Fins Lucrativos.

 

Referências:

SÃO PAULO. Lei Nº 14.132, de 24 de janeiro de 2006. Dispõe sobre a qualificação de entidades sem fins lucrativos como organizações sociais.

Disponível em:

<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/legislacao/index.php?p=6196>

Acesso em 30 Nov. 2012.

 

SÃO PAULO. LEI COMPLEMENTAR Nº 846, DE 04 DE JUNHO DE 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais e dá outras providências. Publicada na Assessoria Técnico-Legislativa, aos 4 de junho de 1998.

Disponível em:

<http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei%20complementar/1998/lei%20complementar%20n.846,%20de%2004.06.1998.htm>

Acesso em 30 Nov. 2012.

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil:promulgada em 5 de outubro de 1988.

Disponível em:

<http://www.imprensaoficial.com.br/PortalIO/download/pdf/Constituicoes_declaracao.pdf>

Acesso em 30 Nov. 2012.

 

BRASIL. DECRETO Nº 7.568, DE 16 DE SETEMBRO DE 2011.Altera o Decreto no 6.170, de 25 de julho de 2007, que dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, o Decreto no3.100, de 30 de junho de 1999, que regulamenta a Lei no 9.790, de 23 de março de 1999, e dá outras providências.

Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7568.htm>

Acesso em 30 Nov. 2012.

 

ADIN nº 1.923.Relator Min. Ayres Britto.DF

Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Voto__ADI1923LF.pdf>

Acesso em 30 Nov. 2012.

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