sábado, 22 de agosto de 2009

GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - Murilo Lemos de Lemos

GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Adm. Murilo Lemos de Lemos

Coordenador do Comitê Jovens Administradores do CRA-SP

Membro do Grupo de Excelência de Administração Pública do CRA-SP

Bacharel em Administração Pública pela EAESP-FGV

Mestrado em Política Social e Planejamento pela London School of Economics

Mestrando em Gestão e Políticas Públicas na EAESP-FGV

lemosx2@hotmail.com

“Maria Candelária é alta funcionária

Saltou de pára-quedas

Caiu na letra Ó Ó Ó

Começa ao meio-dia

Coitada da Maria

Trabalha, trabalha, trabalha de fazer dó Ó Ó Ó

À uma vai ao dentista

Às duas vai ao café

Às três vai à modista

Às quatro assina o ponto e dá no pé

Que grande vigarista que ela é”

(“Maria Candelária”, de Clécio Caldas & Armando Cavalcanti, citado por Maria Alice Castilho Costa)

A canção popular acima retrata bem o preconceito da sociedade quanto ao servidor público (como descreve Maria Alice Castilho Costa, “Cair na letra Ó é uma referência irônica à carreira de funcionário público.”).

No entanto, assim como existem servidores e servidores públicos, para analisarmos recursos humanos na administração pública é importante notar que a área pública não é homogênea; existem diferenças de acordo com o tipo de organização pública que resolvemos observar.

Grosso modo, podemos dividir o setor público em administração direta e administração indireta (Decreto 200/1967).

A Administração Direta caracteriza-se principalmente pelas Secretarias e Ministérios.

Já a Administração Indireta é formada pelas Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista, Autarquias e Fundações (exemplos: Petrobrás, Banco do Brasil, Correios, FUNAI).

A principal diferença entre estes dois tipos de organizações está na sua fonte de recursos financeiros e na sua autonomia para gastá-los. Enquanto na Administração Direta os recursos vêm do tesouro público - ou seja, da arrecadação de impostos dos cidadãos – os órgãos da Administração Indireta geram receita própria, ou seja, dependem apenas parcialmente ou não dependem em nada de recursos do tesouro. Além disso, na Administração Direta as regras e procedimentos para compras e para contratação e demissão de funcionários são mais rígidas e formais que na Administração Indireta. Ou seja, em termos de recursos financeiros, compras e recursos humanos, a Administração Indireta é mais parecida com a iniciativa privada que a Administração Direta.

É importante entendermos estas diferenças para começar a perceber que a realidade, o ambiente e a cultura das organizações do setor público são bem diferentes do que encontramos no setor privado em geral. Ou seja, se quisermos implementar mudanças para melhorar a questão da gestão de pessoas nos governos, nem sempre as técnicas que funcionam no setor privado dão o mesmo resultado na área pública.

Desde 1988, quando a atual Constituição Federal foi promulgada, ocorreu uma grande mudança dentro do setor público. Numa tentativa de tornar as contratações mais transparentes e profissionais e diminuir o cada vez maior índice de nepotismo, de fisiologismo e de perseguições políticas, foi estendido para toda a administração pública oconcurso público e a estabilidade no emprego foi oficializada na administração direta. Isso significa que as contratações daí para frente dentro da área pública passaram a ser feitas em um processo seletivo transparente, aberto para todos e com critérios estritamente técnicos. Além disso, após três anos de aprovado num concurso e efetivado num cargo, o profissional na administração direta adquire a estabilidade, podendo apenas ser demitido após um processo administrativo interno onde ele tem amplo direito de defesa e por razões extremas e que possam ser comprovadas – por exemplo, excesso de faltas não justificadas, corrupção ou ineficiência no cargo.

Como já foi dito, estas iniciativas buscaram blindar, proteger o servidor público de perseguições políticas e injustas. Mas se por um lado estes objetivos foram atingidos, por outro lado criou-se um mastodonte, um excesso de servidores em muitas áreas e baixa rotatividade da força de trabalho. Em qualquer organização pública ou privada, é improdutivo trocar funcionários com elevada freqüência - seja pelos custos trabalhistas, seja pelo tempo e recursos investidos na integração e aprendizado do novo contratado. No entanto, também é péssimo não poder-se trocar nenhum funcionário quando necessário. Com os funcionários há muito tempo no mesmo lugar fazendo o mesmo trabalho, tende a ocorrer acomodação, desmotivação e queda de produtividade. Hoje na administração pública temos uma grande massa de servidores públicos que já trabalham há 20 anos ou mais na mesma função e que dificilmente serão demitidos – por ineficiência ou qualquer outra razão – devido à estabilidade. É necessário flexibilizar-se mais a estabilidade e trabalhar melhor a questão da avaliação de desempenho e da motivação dos servidores, buscando uma rotatividade mais equilibrada e uma renovação bem gerenciada da força de trabalho, onde os funcionários mais antigos orientem os recém-contratados e transmitam para eles seu conhecimento.

Há, no entanto, dentro da Administração Pública, alguns cargos que podem ser ocupados sem a necessidade de concurso público e que não conferem estabilidade no emprego a seus ocupantes. São os chamados Cargos em Comissão ou Cargos de Confiança. Estes cargos são poucos se comparados com os cargos efetivos - que exigem concurso público e que têm estabilidade - mas seus salários tendem a ser os mais altos dentro das organizações públicas e costumam ser cargos de comando ou de assessoramento, de grande poder na hierarquia (Secretários, Ministros, Chefes de Gabinete, Diretores, Assessores, Gerentes, Coordenadores, Superintendentes). Portanto, seja pela forma de contratação ou pela flexibilidade de desligamento, estes tipos de cargos são os que mais se assemelham com os cargos que encontramos na iniciativa privada. É fundamental que a Sociedade e os órgãos de fiscalização fiquem sempre atentos para que estas posições sejam ocupadas atendendo critérios técnicos mínimos, e não apenas por confiança, para que a qualidade do serviço público prestado não seja prejudicada. Não se pode, por exemplo, permitir que seja nomeado como Diretor Financeiro de uma empresa pública alguém que nunca trabalhou com finanças ou que não conhece o assunto Nesse sentido, já está em andamento no Governo do Estado de São Paulo um projeto de certificação que irá avaliar os conhecimentos técnicos de todos os ocupantes dos cargos de livre provimento e obrigar quem não atingir uma nota mínima a fazer cursos de qualificação.

Analisando o que discutimos até agora, percebe-se que é quase inevitável um choque cultural entre a máquina burocrática (os servidores concursados que sempre estão lá) e os cargos de confiança – que costumam mudar a cada governo.

O servidor estável, por um lado, apesar de muitas vezes ter se acomodado, conhece bem a máquina pública, a rotina do trabalho, e sabe muito bem como atrapalhar quando se sente ameaçado. Por outro lado, o ocupante de cargo de confiança pode até ter algum conhecimento técnico mais atualizado que trouxe de outras experiências profissionais, mas não conhece os meandros e os corredores burocráticos necessários para realizar bem o serviço. Ou seja, o que acontece muitas vezes é uma guerra fria onde, de um lado, o servidor concursado resiste à praticamente todas as mudanças e novidades, agarrando-se à sua zona de conforto por comodismo ou por ceticismo – muitas vezes o servidor público resistente e arrogante de hoje foi o servidor público idealista e motivado de ontem, mas que viu sua criatividade e iniciativa serem constantemente punidas por chefes que se sentiam ameaçados pela competência do subordinado.

Do outro lado, o ocupante de cargo em comissão tenta impor as diretrizes do governante atual usando seu poder hierárquico, levando a um jogo de soma zero onde nada sai do lugar.

É fundamental, portanto, que haja avaliações de desempenho efetivas, justas e com critérios técnicos e carreiras bem organizadas, permitindo a evolução e o reconhecimento de quem realmente trabalha bem; salários competitivos para conseguir-se reter os talentos – que muitas vezes abandonam os governos por salários maiores na iniciativa privada; programas de capacitação e atualização profissional; gestão por competências.

Ao mesmo tempo, é necessário que os ocupantes de cargos em comissão sejam mais flexíveis e dispostos a negociar, dialogar, ouvir e envolver o quadro permanente no planejamento e execução do trabalho, aprendendo com sua experiência e ganhando seu importante apoio.

Nesse sentido, várias inovações já vêm sendo colocadas em prática na administração pública, buscando melhorar a gestão de pessoas e, conseqüentemente, a qualidade dos serviços prestados pela máquina pública aos cidadãos:

Sistema Integrado de Gestão de Pessoas:

A tecnologia já possibilita que todas as funções de recursos humanos tenham o importantíssimo suporte da informática. Os Sistemas Integrados de Gestão de Pessoas - quando alimentados com dados confiáveis, relevantes e atualizados - permitem uma visão ampla de quem são os servidores (perfil psicológico e profissional), onde trabalham, quantos são e quais são as funções que efetivamente desempenham. Com estas informações, é possível uma visão do perfil atual da força de trabalho, identificando talentos atuais e potenciais e também localizando necessidades de cursos e qualificação. É possível também diagnosticar-se se o perfil do servidor é adequado à área onde ele trabalha. Muitas vezes, um ótimo servidor é desperdiçado numa função ou área que não tem nada a ver com suas competências e habilidades, e então quando é realocado revela seu verdadeiro potencial. É possível também localizar as áreas que estão com excesso ou falta de servidores e planejar as necessidades futuras de contratação, em termos qualitativos (perfil e formação) e quantitativos (número de pessoas a ser contratadas).

Escolas de Governo e Gestão Pública:

Inspirados nos modelos de Universidade Corporativa adotados por grandes empresas na área privada, várias prefeituras, governos estaduais e o próprio governo federal criaram seus centros de formação, treinamento e aperfeiçoamento de servidores. No âmbito federal, temos exemplos como a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e a Universidade Petrobrás. Nos Estados há, por exemplo, a Fundação do Desenvolvimento Administrativo (FUNDAP) em São Paulo e a Fundação João Pinheiro (FJP) em Minas Gerais. Já nos municípios podemos encontrar Escolas de Governo, por exemplo, em Campinas-SP (EGDS - Escola de Governo e Desenvolvimento do Servidor), Jacareí-SP (EDSM – Escola de Desenvolvimento do Servidor Municipal) e Santo André-SP (EFAP – Escola de Formação Em Administração Pública Paulo Freire). No geral estes centros de ensino e pesquisa oferecem cursos desde as áreas de conhecimento mais genéricas (informática, por exemplo) até conhecimentos específicos (por exemplo, técnicas de extração de petróleo para funcionários da Petrobrás). Além disso, estas instituições muitas vezes realizam estudos, pesquisas e consultoria em gestão pública.

Participação nos Resultados:

Inspirados nos modelos de Participação nos Lucros e Resultados (PLR) adotados em diversas empresas privadas, vários órgãos públicos implementaram acordos de resultados (também conhecidos como contratualização de resultados), onde um funcionário ou equipe compromete-se a atingir certas metas num prazo de tempo definido. Caso sejam atingidos os resultados definidos, há a distribuição de um bônus financeiro. Este modelo foi amplamente disseminado no Governo do Estado de Minas Gerais, dentro de um programa maior chamado Choque de Gestão. Algumas secretarias e Empresas do Governo do Estado de São Paulo também já começaram a adotar propostas semelhantes como, por exemplo, Fazenda, Saúde, Educação e Metrô.

Despublicização

O Governo Federal, durante a administração de Fernando Henrique Cardoso - tendo como ministro da Administração e Reforma do Estado Luiz Carlos Bresser Pereira – iniciou no Brasil um processo que já havia ocorrido em países como os Estados Unidos e a Inglaterra. É o movimento de Reforma do Estado que, de forma bem resumida, pretendia aumentar a eficiência dos serviços públicos fazendo com que eles fossem prestados menos pelo governo e mais por empresas privadas. É o movimento que de uma forma geral podemos chamar de despublicização, ou seja, transferência da execução de uma atividade pública para o setor privado. Existem vários níveis de despublicização, podendo ocorrer desde uma simples concessão (como se fosse o aluguel por prazo determinado de um serviço ou bem público para uma empresa privada - como ocorre no Estado de São Paulo com algumas rodovias, por exemplo) até mesmo a privatização, ou seja, a efetiva venda de patrimônio público para o setor privado. Existem vários estudos avaliando a eficácia deste movimento no contexto brasileiro, onde ele inclusive expandiu-se também para Estados (São Paulo e Minas Gerais são dois exemplos) e Prefeituras. O fato é que, independentemente de ideologias partidárias, em algumas situações o modelo mostrou-se eficiente, em outras não, dependendo principalmente da natureza do serviço a ser prestado e das regras colocadas para a iniciativa privada poder prestar o serviço. A estas regras chamamos de Marco Regulatório. Para garantir que este Marco Regulatório seja respeitado, seja justo com ambas as partes envolvidas e mantenha-se sempre atualizado, foram criadas as Agências Regulatórias como, por exemplo, a ANATEL, responsável pelo mercado de telecomunicações. Devido ao grande aumento das demandas que recaem sobre a administração pública – especialmente nas áreas da saúde, educação e assistência social – principalmente após a promulgação da Constituição de 1988, é praticamente um consenso que os governos hoje não conseguem mais resolver seus problemas e os da sociedade trabalhando sozinhos, daí a necessidade de – de forma organizada, bem estruturada e transparente – trazer a iniciativa privada e a Sociedade Civil Organizada (3º Setor) para uma parceria com a administração pública, onde todos saiam ganhando – principalmente a população.

Qualidade de Vida no Trabalho:

Com a questão da estabilidade no emprego, é fato que no setor público há uma forte tendência de que o servidor aposente-se tendo trabalhado apenas em um lugar e exercendo a mesma função durante toda sua vida. Com isso, muitas vezes este servidor público entra em depressão ao se aposentar, pois pelo tempo de permanência num mesmo órgão e trabalhando com uma mesma equipe, os vínculos de relacionamento com os colegas de trabalho tornam-se muito fortes. Órgãos públicos como a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) têm adotado Programas de Pré-Aposentadoria, buscando preparar gradativamente o servidor para a aposentadoria anos antes dela chegar. Para isso, utilizam-se grupos de discussão e convivência, atividades sociais e de recreação e terapia ocupacional, para que o rompimento do vínculo com o local de trabalho não seja tão drástico e traumático.

Também é importante citar ações preventivas na área de saúde do servidor, como o Programa Prevenir, do Governo do Estado de São Paulo, que busca via palestras, seminários e campanhas nos locais de trabalho conscientizar os servidores sobre mudanças de hábitos, alimentação saudável, tabagismo, alcoolismo e a importância de atividades físicas regulares. A principal ferramenta utilizada é o Rastreamento, um amplo diagnóstico das condições de saúde dos servidores públicos do Estado realizado periodicamente via questionários.

Em suma, a cultura organizacional no setor público difere muito do que encontramos na iniciativa privada, portanto copiar modelos prontos de gurus consagrados da administração de empresas não surtirá as melhorias desejadas no âmbito estatal. É preciso incluir-se nessa análise elementos fundamentais como o estudo do sofrimento e da psicopatologia do trabalho. Outro risco que deve ser evitado é o da dissociação entre formulação, implementação e avaliação das políticas públicas. Sempre que posssível, todos devem estar envolvidos nas 3 etapas, para que não voltemos aos “tempos modernos” do taylorismo e fordismo e da alienação do trabalho.





REFERÊNCIAS

CARNEIRO, José Mario Brasiliense & AMORIM, Alexandre (org). Escolas de Governo e Gestão Municipal. São Paulo: Oficina Municipal, 1 ed., 2003

COSTA, Maria Alice Castilho. Servidor público: de barnabés a presidentes. In KUPSTAS, Marcia (org). Trabalho em Debate. São Paulo: Moderna, 1 ed., 1997

DEJOURS, Christophe. A Loucura do Trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez, 5 ed., 1992

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 28 ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Delcio Balestero Aleixo, José Emmanuel Burle Filho, 2003

STONER, J.A. Administração. São Paulo: Prentice-Hall do Brasil, 5 ed., 1985

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