quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Trabalho final de FESB - Rafael Prado

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP

ESCOLA DE ARTES, CULTURA E HUMANIDADES - EACH


Fragmentos e Heranças: História de um "Brasil Moderno"


Rafael Prado Celso 6409945

Prof. José Renato



São Paulo, SP

Dezembro de 2009



ÍNDICE

1. DA ESCRAVIDÃO AO IMPERIALISMO: FRAGMENTOS DE UMA HISTÓRIA 3

2. MODERNIZAÇÃO, IMPERIALISMO E A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA: HERANÇAS DE UMA HISTÓRIA 6

3. CONCLUSÃO 10

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 12

1. DA ESCRAVIDÃO AO IMPERIALISMO: FRAGMENTOS DE UMA HISTÓRIA

A introdução da mão-de-obra escrava no Brasil, vinda da África, foi o início de uma história marcada pela não valorização do homem em detrimento da riqueza gerada com o comércio de escravos.

        A onda de mudanças que varreu o Ocidente a partir do início dos Tempos Modernos não suprimiu as estruturas de antigas formas de organização da produção, baseadas no emprego do trabalho forçado. Mesmo no século XVIII, uma instituição multimilenar - a escravidão - e outra multissecular - a servidão - exibiam vigor, submetendo milhões de escravos negros nas colônias americanas e servos espalhados pela maior parte da Europa. (ROCHA, 2000)

Como visto na citação de Rocha (2000), a instituição escravocrata existiu pela América como forma de trabalho predominante, em lavouras majoritariamente, depois em minas e fazendas de gado, mas também como fonte de ganhos com o tráfico negreiro - ganhos estes que enriqueciam as metrópoles localizadas na Europa, no caso do Brasil, Portugal.

A escravidão favorecia latifundiários, intermediários do tráfico de escravos e outras instituições que estavam empenhadas em manter o status quo mesmo com a desumanidade contida na escravidão. No entanto, essa forma de trabalho tornou-se alvo de repulsa e crítica de diversos grupos da sociedade bem como religiões e autores da época. Esse debate contribui para um dos aspectos que caracterizou a queda do Império brasileiro.

Tratando do Império, o seu fim foi necessário para que houvesse uma adequação do regime que conduz o país às transformações ocorridas na economia e sociedade da época, em outras palavras, o regime monárquico não conseguia mais atender as necessidades de um Estado moderno e de acordo com o que se tinha no mundo estrangeiro, foi nesse período de transição que ocorreu a Abolição da Escravidão e a introdução da República no Brasil. (JUNIOR, 2001)

A contestação da escravidão foi pela primeira vez vista com a ação dos próprios negros através da formação de quilombos1, mas também em movimentos emancipatórios como na Conjuração Baiana2, na qual foi cogitada a hipótese de abolição da escravatura. Porém, foi uma causa externa que motivou o início dos processos abolicionistas no Brasil, pois, foi por causa da pressão inglesa que aos poucos o tráfico negreiro foi considerado ilegal, encadeando diversas leis até que a máxima – Lei Áurea – foi votada e sancionada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888, caracterizando que a escravidão estaria extinta do Brasil.

        O abolicionismo é antes de tudo um movimento político, para o qual, sem dúvida, poderosamente concorre o interesse pelos escravos e a compaixão pela sua sorte, mas que nasce de um pensamento diverso: o de reconstruir o Brasil sobre o trabalho livre e a união das raças na liberdade. (NABUCO, 1883)

Mesmo com a extinção da escravidão e a utilização de trabalho livre, a marginalização socioeconômica do negro liberto tornou-se um fenômeno nacional até hoje discutido, pois a liberdade jurídica não corresponde às liberdades essenciais para que houvesse a integração dos mesmos na sociedade.

Diante disso, é tido que imediatamente após a queda do Império e o fim da escravidão sobrava mão-de-obra negra - eles estavam desempregados e não especializados para trabalharem nas cidades – contribuindo para a sua segregação com relação aos demais habitantes. Essa segregação foi o agravamento do preconceito racial na sociedade brasileira, ou seja, pela visão da modernização, a abolição extinguiu a vergonhosa exploração de um ser humano, em contrapartida, ela gerou a marginalização destes homens e de seus herdeiros. (JUNIOR, 2003)

A modernização vinda com o fim do regime monárquico foi vista com a reforma do ensino, a separação da Igreja e do Estado, importante para a autonomia nas decisões do país, e com a elaboração de uma nova Constituição baseada no Federalismo, Presidencialismo e no regime de escolha de representantes por votos dos cidadãos, excluindo mulheres, soldados, analfabetos e menores de idade. Mas, ainda estaria por vim o verdadeiro Estado Moderno brasileiro, transformando o país em industrializado, urbanizado e com crescimento econômico notável.

Com relação ao final da escravidão, pode-se adentrar nas conseqüências que são vistas atualmente e que adiante serão mais bem exemplificadas. Uma vez que a abolição cumpriu seu principal papel, os posteriores acontecimentos levaram a maioria dos negros à miséria, pois não houve compensação financeira após a abolição, iniciando um processo em que eles compunham as camadas mais pobres da sociedade desde o século XIX até hoje, salvo que o desenvolvimento econômico e ações governamentais estão aos poucos mudando este quadro. (JUNIOR, 2003)

Devido à isso, é dito que a lei Áurea foi incompleta, pois não tangenciou todos os pontos que deveria, tornando o processo de abolição algo pleno e conseqüências menos negativas para a sociedade e para o próprio negro livre.

2. MODERNIZAÇÃO, IMPERIALISMO E A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA: HERANÇAS DE UMA HISTÓRIA

De maneira geral, a abolição da escravatura, a proclamação da república, o Estado Moderno de Vargas e os avanços em âmbito industrial e econômico ao longo das ditaduras, fomentaram uma nova configuração e inserção do Brasil na escala mundial devido ao bom crescimento econômico bem como "conquistas sociais".

O séc. XX brasileiro foi marcado por constantes revoluções, conquistas e transformações em âmbito político, social e econômico. Neste contexto, ao longo da segunda metade do séc. XX, o Brasil presenciou um grande desenvolvimento industrial e, conseqüentemente, de urbanização que deu origem a um país razoavelmente moderno, de característica urbana, industrializado e de economia complexa, que coloca em evidência a diferença em relação ao país no séc. XIX, de regime cafeeiro, ruralista e imperial.

Como fruto deste crescimento, em 1990, o Brasil já ocupava a posição de oitava economia mundial com um dos maiores PIBs (Produto Interno Bruto) do mundo, sendo superado apenas pelos Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e China.

Ainda que ao final do século XX e primeiros anos do século XXI, a economia brasileira tenha sido superada pelo vertiginoso crescimento indiano, e por outras nações que apresentavam percentuais de crescimento maiores, o Brasil conseguiu, ao longo do séc. XX e início do séc. XXI, ingressar em um processo de modernização de forma acelerada e intensa. As transformações e avanços ocorridos na economia e no sistema produtivo produziram reflexos também na ordem social, ou seja, serviços de infra-estrutura (eletricidade, água tratada, acesso aos meios de comunicação em massa) puderam ser oferecidos à população; aumento na expectativa de vida e diminuição nas taxas de analfabetismo e mortalidade infantil.

Porém, ainda que tudo isso pareça refletir a realidade um estado de bem estar social elevado – pode-se dizer que, a realidade social do Brasil enquadra-se em casos isolados de desenvolvimento. De acordo com o IBGE, 9,5% dos brasileiros acima de 15 anos ainda são analfabetos e grande parte da população, em especial do Nordeste Brasileiro, carece de infra-estrutura como saneamento básico, saúde e educação.

Algo bastante latente na realidade brasileira é o fato da "modernização" não ter ocorrido de forma integral, permeando todos os pontos do país, mas sim, ter se centralizado especialmente na região Sudeste, que apesar de tudo possui grande desigualdade social.

Outro ponto que merece atenção é a temática da neoescravatura brasileira. Ainda que a lei Áurea tenha sido assinada em 13 de maio de 1888, decretando o fim do direito de propriedade de uma pessoa sob outra, em face da "servidão" ou "peonagem", explora-se milhares de trabalhadores principalmente na região norte e nordeste do país. (SAKAMOTO, X)

De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), estima-se a existência de aproximadamente 40 mil trabalhadores cativos. A maioria destes trabalhadores está presa à terra por dívidas contraídas junto ao fazendeiro. "Oriundos do nordeste, eles se hospedam em pensões onde contraem suas primeiras dívidas e são aliciados pelos chamados "gatos", que os levam às fazendas". (SAKAMOTO, X)

De acordo com matéria da Repórter Brasil, a nova escravidão, do ponto de vista financeiro e operacional, é mais vantajosa para os empresários e grandes fazendeiros que a da época do Brasil Colônia e do Império. Neste contexto, o sociólogo norte-americano Kevin Bales (1993), propõe a seguinte comparação::

BrasilAntiga escravidãoNova escravidão
2propriedade legalpermitidaproibida
3custo de aquisição de mão-de-obraalto. a riqueza de uma pessoa podia ser medida pela quantidade de escravosmuito baixo. não há compra e, muitas vezes, gasta-se apenas o transporte
4lucrosbaixos. havia custos com a manutenção dos escravosaltos. se alguém fica doente pode ser mandado embora, sem nenhum direito
5mão-de-obraescassa. dependia de tráfico negreiro, prisão de índios ou reprodução. bales afirma que, em 1850, um escravo era vendido por uma quantia equivalente a r$ 120 mildescartável. um grande contingente de trabalhadores desempregados. um homem foi levado por um gato por r$ 150,00 em eldorado dos carajás, sul do Pará
6relacionamentolongo período. a vida inteira do escravo e até de seus descendentescurto período. terminado o serviço, não é mais necessário prover o sustento
7diferenças étnicasrelevantes para a escravizaçãopouco relevantes. qualquer pessoa pobre e miserável são os que se tornam escravos, independente da cor da pele
8manutenção da ordemameaças, violência psicológica, coerção física, punições exemplares e até assassinatosameaças, violência psicológica, coerção física, punições exemplares e até assassinatos



    Bales (1993), explicita que as diferenças étnicas não são mais fundamentais para escolher a mão-de-obra. A seleção se dá pela capacidade da força física de trabalho e não pela cor. Qualquer pessoa miserável moradora nas regiões de grande incidência de aliciamento para a escravidão pode cair na rede da escravidão.

    Para além deste novo modelo escravismo, têm-se ainda a latente "Herança de uma História", que reflete sobre as grandes dificuldades enfrentadas pelos afrodescendentes no que se refere a questão moral, frente à discriminação e social, frente a própria exclusão.

    De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) o Brasil é composto por 92,7 milhões de pessoas negras, pardas e mestiças. Estatisticamente os índices de pobreza no Brasil atingem em maior parcela a população afrodescendente população e, neste aspecto, o Maranhão (Estado com maior quantidade de trabalhadores libertos da escravidão) é também a unidade da federação com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e a que possui a maior quantidade de comunidades quilombolas. Em contrapartida, Santa Cataria, que possui apenas 9,6 % de população negra, apresenta um dos maiores IDH do Brasil. Seria isso mera coincidência? Desta forma, é possível constatar que, mesmo após 100 anos de abolição da escravatura, o Brasil enfrenta grandes reflexos de suas heranças históricas, que influenciam, até então, o cenário econômico e social do país. (VIEIRA, 2004)

    Esta questão não cabe ao mérito da infundada "superioridade racial", mas sim, a falta de investimento e recursos disponibilizados para que a população afrodescentende possa, de forma igualitária, atingir altos níveis de escolaridade, moradia, salários dignos e igualdade social como um todo.

    Como bem cita José Murilo de Carvalho (1988):

          Os abolucionistas viam o problema do ponto de vista da nação, que incluía sem dúvida interesses variados, inclusive o dos proprietários. Seu apelo ao Estado para solucionar a questão, se respondia à percepção de que assim se apressaria o progresso, também tinha o sentido de perturbar radicalmente a fabrica da sociedade. O progresso do indivíduo era secundário. Os poucos que quiseram ir mais longe se calaram ou foram calados pelo rolo compressor da República [...] (CARVALHO, 1998)

    É curioso, pois, este progresso, em longo prazo, não se revelou da forma esperada e o desenvolvimento destas parcelas da sociedade menos favorecidas ainda se mostra como objeto secundário. Ao meu ver3 a pobreza, discriminação e exclusão social é vista como oportunidade de negócio não somente pelas instituições privadas, mas, inclusive pelo setor público mundo a fora.

    Diante disso, Carvalho (1998), sabiamente cita "os poucos que quiseram ir mais longe se calaram ou foram calados pelo rolo compressor da República" – ainda que esteja se referindo à embrionária república pós-imperialismo, esta realidade reflete-se frente ao próprio império moderno que cala-se frente ao caos social ou promove pequenas ações para driblar as críticas dos movimentos sociais.

    Apesar de o Brasil ser um país democrático e republicano, ainda sim há fortes traços do antigo Império. O poder ainda centraliza-se nas mãos dos "grandes homens públicos", amparados por uma oligarquia política que muitas vezes cala-se frente as questões sócio políticas em prol de seus próprios interesses. É o velho "rolo compressor" da antiga república...

    3.CONCLUSÃO

    Ainda que a escravatura tenha sido abolida e o Brasil pós-imperialismo tenha alcançado uma considerável modernização de seu sistema político, econômico e social, grandes cicatrizes foram deixadas como herança de um período marcado pela vergonha – mas que muito influenciou na criação de uma identidade nacional, a escravatura. (VIEIRA, 2003)

    Mesmo que a abolição do escravismo tenha ocorrido em 1888, esta se mantém latente na nação brasileira e adota múltiplas formas, inclusive o estigmatizado4 escravismo moral, que espelha no afrodescendente de hoje uma imagem escravizada pelo preconceito, exclusão social, política e econômica. Frente a esta situação, pode-se constatar milhares de afrodescendentes e mestiços em condições sub-humanas sem acesso a saúde, educação e condições dignas de moradia. (SCHMITT, 2002)

    De maneira geral, Sakamoto (2003) explicita:

          Para além dos efeitos da Lei Áurea que completa 120 anos, trabalhadores rurais do Brasil ainda vivem atualmente sob a ameaça do cativeiro. Mudaram-se os rótulos, ficaram as garrafas. Marx afirmava que o "morto apodera-se do vivo". Com base na permanência da escravidão sob outras formas, constata-se que não são apenas as velhas formas que se inserem nas novas, mas as novas recorrem às velhas sempre que possível. (SAKAMOTO, 2003)

    A evidencia destas outras formas de escravismo é verificada através de milhares de trabalhadores que, sob regime servil, chegam a trabalhar até 19 horas por dia e sua remuneração é estritamente utilizada para o pagamento de suas "dividas" que em verdade jamais poderão ser quitadas.

    Apesar de haver iniciativas no combate a estas novas manifestações escravistas, em que de 1995 até hoje, mais de 30 mil pessoas já foram libertadas em operações dos grupos móveis de fiscalização do governo federal, responsáveis por apurar denúncias e libertar trabalhadores em regime servil – ainda há milhares de trabalhadores esperando por uma ação mais incisiva por parte do Estado para serem libertos.

    Em muito essa dificuldade de ação e lentidão processual se dá devido a presença de um novo modelo de Império, que em verdade, tece um modelo de escravismo societal em favor do alcance de suas metas e manutenção de oligarquias que produzem políticas "brandas" ao invés de tratar o problema com maior seriedade e respeito. Muitos ainda encaram, como citado anteriormente, estas questões como oportunidades a serem exploradas, e não como um problema a ser erradicado. Certamente é utópico pensar que tal problema possa ser tratado de um dia para a noite e, ainda que ao longo desta década tenha se aplicado maior atenção para questões desse cunho, a necessidade e novas políticas (e políticos) que garantam uma melhor condição de vida e dignidade para os herdeiros desta história, é urgente.

    REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    IBGE – Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/default.shtm. Acesso em 10 de dezembro de 2009.

    CARVALHO, J. M. Escravidão e Razão Nacional. 1998.

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