segunda-feira, 6 de julho de 2009

INSTITUIÇÕES POLÍTICAS BRASILEIRAS, 2007. ARTIGO


Mensalão e a efetividade dos mecanismos de controle democrático no Brasil

Por Jony Rodrigues1

O escândalo "mensalão", ocorrido entre 2005 e 2006, durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, trata-se de um vultoso esquema de compra de votos no congresso nacional, onde deputados recebiam R$ 30 mil reais por mês para votar matérias favoráveis ao governo. Este episódio configurou-se em uma das maiores crises político-institucionais já descoberta, porém ainda não provado completamente.

O estopim da crise se deu com a divulgação, através da impressa, de uma gravação em vídeo que mostrava o ex-funcionário da empresa brasileira de correios e telégrafos, Maurício Marinho, detalhando como operava o esquema de cobrança de propina dentro da estatal e afirmando que tudo funcionava com aval do deputado federal Roberto Jefferson. Este último, por sua vez, ao sentir seus interesses contrariados, resolve entregar o jogo e, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, revela como funcionaria uma rede se subornos dentro do congresso nacional "financiada" em parte pelo dinheiro da propina arrecadada nas empresas estatais.

Foi desta forma que, após sistemáticas denuncias da mídia, foram constituídas uma CPMI2 para investigar o caso da propina nos correios e, posteriormente, uma CPI3 para investigar o esquema do "mensalão". Os resultados destas investigações terminaram com a cassação de 18 parlamentares e foram usados pelo ministério público federal, para balizar denuncias junto ao STF4. Este, por sua vez, acolheu tais denuncias e declarou como réus os 40 acusados de participar, direta ou indiretamente no esquema.

Assim, em uma primeira analise, poderíamos concluir que no Brasil entrou ação um democrático processo de accountability horizontal, segundo definição de Guillermo O'Donnell, para este autor, em um pais existe accountability horizontal quando existe uma rede constituída por instituições intra-estatais dotadas de poderes legais e direitos-- mas também dispostas e capacitadas -- para controlar, punir ou até mesmo impedir ações ou omissões delituosas, perpetradas por outras instituições dentro do estado, e tribunais capacitados e comprometidos em julgar estas ações delituosas.5

Tudo parece ter ocorrido de acordo com a definição acima: a mídia denuncia, cumprindo seu papel dentro do processo de accountability; o congresso nacional através de suas duas casas investiga (CPI, CPMI), e leva os resultados das investigações ao conhecimento do ministério público federal que aciona o STF, órgão a quem compete julgar estas matérias.

No entanto, cabe analisar qual é a efetividade de tal processo, dentro das instituições políticas no Brasil, a luz do conceito de accountability cunhado por O'Donnell.

Desde o infeliz desenlace teve o primeiro governo civil eleito diretamente no

Brasil, em 1989, onde o presidente Fernando Collor de Melo sofreu impeachment e teve os direitos políticos cassados por deliberação do Congresso Nacional, foi adotada vultosa quantidade de leis e congeneres, cuja finalidade seria impedir que fossem reiteradas daquelas práticas delituosas. Afora isto, criaram-se mecanismos e instituições intra-estatais de fiscalização , por exemplo: COAF, Banco Central, ministério público, Tribunal de Contas, ouvidorias etc.

Apesar disso, o esquema do mensalão veio a tona, menos pela ação efetiva dessas dispendiosas e imprescindíveis instituições, do que pelo contraste de interesses entre os participantes do esquema. Ora, se não fosse pela divergência interna entre a alta cúpula do esquema, o escândalo talvez não tivesse vindo a superfície.

A questão é que mesmo que com existência de tais agencias o accountability horizontal não funcionou de maneira razoável em sua dimensão preventiva no decorrer do tempo. Pois, cabe lembrar, que é patente que as atividades delituosas reveladas com o episódio do mensalão já eram praticadas desde antes do governo Lula.

Apensar da sensível melhora que vem ocorrendo, não é possível deixar de não ver as falhas em nossos mecanismos de controle e fiscalização sobre as práticas que prejudicam a sociedade e a cidadania. Mesmo a mídia que durante o processo muitas vezes atuou em papel de destaque, diria mesmo de protagonista, denunciando embasada em provas e fatos concretos. Outras, porém, extrapolando os, indo à casa do fantástico e do parcial; apontando e nomeando supostos responsáveis por delitos, de forma que estes se vêem condenados pela opinião pública, sem o direito a algo parecido a um processo justo para sua defesa(O'Donnel). Assim, parece acontecer no Brasil o que O'Donnell alertou como é um fenômeno típico das novas poliarquias: A mídia agindo em substituição dos tribunais.

Um outro ponto de critica que se pode fazer a mídia quanto a seu papel dentro do processo accountability reside nos "consensos" criados por esta. Tais consensos influem de modo até coercitivo sobre o comportamento de autoridades políticas enviesando suas decisões. Como ocorreu nos últimos dias: O ministro do da mais alta corte do país, Ricardo Lewandowski , que declarou estar com "a faca no pescoço" referindo-se a pressão da mídia sobre a decisão do STJ em acolher ou não as acusações contra os suspeitos de integrarem o esquema dos mensalão.

De forma, a mídia dominante é uma ameaça à democracia, sendo necessárias medidas que assegure um maior controle social, fazendo-se necessários mecanismos que democratizem os meios de comunicação do país.

Em suma, cabe uma relativização da "vitória" de nosso processo de accountability, pois um exame mais apurado revela suas fraquezas, dificuldades e limitações, se contrastarmos com pontos centrais das definições de O'Donnell. Aos olhos deste autor, para que accountability seja efetiva não basta apenas existir uma rede de instituições. Outra condição fundamental é que estas estejam capacitadas e, sobre tudo, comprometidas e dispostas a agirem de maneira preventiva e investigativa. Da mesma forma no cume desta rede devem existir não apenas tribunais com poder legal, mas tribunais verdadeiramente livres e legitimados para fazer justiça, quer seja punindo ou absolvendo autoridades acusadas de praticas ilícitas.

Por isso, devemos ter cautela em nossos rompantes de entusiasmos com o suposto "choque de democracia" que parece estar passando as instituições de accountability no Brasil. Pois, mesmo que o sistema político brasileiro cumpra formalmente os requisitos básicos da poliarquia e possua uma complexa rede de mecanismos de controle democrático, isto não garante por si só a institucionalização da democracia como o cerne do relacionamento entre o Estado e a sociedade.6

1- Artigo apresentado na disciplina de Instituições Políticas Brasileiras, 2007.

2 - Comissão Parlamentar Mista de Inquérito

3 - Comissão Parlamentar de Inquérito

4 - Supremo Tribunal Federal

5 - O'Donnel, G. Accountability Horizontal e Novas Poliarquias. Revista Lua Nova, nº 44, 1998b, pp. 27 – 54.

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