sábado, 23 de maio de 2009

A superioridade do método de Marx!

A dialética como modo de exposição é a forma aparente mais modesta, mas, ao mesmo tempo, a mais documentada e evidente da dialética em Marx. Conforme comenta Marx no posfácio da segunda edição de O Capital, após a pesquisa analítica, é preciso representar tudo isso que se estudou de maneira que se consiga dar vida á matéria. Aqui, na construção desta representação, desta Dartellung, aparece a necessidade clara da dialética. A dialética é o instrumento metodológico que permite a Marx tentar superar a forma analítica da sua pesquisa, ou seja, a dialética é o método através do qual Marx procura reconstruir a totalidade viva do real. Isto é, a dialética seria o logos que procura reconstruir a totalidade viva do real como esta se apresenta antes e aquém da ruptura analítica de um sujeito que, por abstrações perceptivas, aproximou-se de partes desta totalidade, dividindo-a e recortando-a. Aqui estaria a necessidade da dialética em Marx: como e enquanto modo de exposição. A dialética seria o retorno sintético do analítico ou a reconstrução concreta do universal.
Mas, podemos perguntar, toda ciência não faz, de alguma forma, após a pesquisa analítica, uma certa representação geral de seu objeto? Toda ciência, de alguma forma, não expõe uma certa reconstrução geral do seu objeto? Vejamos o caso da Economia Política clássica.
Claro que a perspectiva da Economia Política clássica, como filha direta do empirismo inglês, constrói uma representação do real, mas seu caminho é o método empírico-indutivo, ou seja, á partir dos dados dos sentidos, assim, a partir de uma consciência empírica, individual, psicológica, realiza uma multiplicidade de percepções, recolhe-os dados dos sentidos, que são depois reunidos e justapostos, construindo certas generalizações e, assim, certas constâncias e leis que pretendem representar ou descrever o real.

Essa perspectiva científica empirista, porém, corresponde á perspectiva do senso comum olhando o mundo.Coincide, particularmente, com o ponto de vista dos indivíduos que vivem mergulhados no mercado do modo de produção capitalista e que possuem a perspectiva de indivíduos que se pensam a si próprios como livres e proprietários ( proprietários da força de trabalho e dos meios de produção), indivíduos que livremente se reúnem pelo contrato de trabalho e pelo contrato social. Nesta perspectiva, o concreto é o que o sujeito social percebe aqui e agora, e a generalização é o abstrato. A própria representação científica, para o empirismo, aparece sempre como mera abstração.Nesse sentido, como tantas vezes ironizou Marx, o paradigma dessa perspectiva é aquele de Robinson Crusoé. O indivíduo que, na verdade, é uma abstração do social, passa por ser o concreto, e o social que antecede o indivíduo passa a ser o abstrato. As “robinsonadas” psicologistas perpassam todo o método, a teoria do conhecimento, as categorias e a representação científica da Economia Política. As robisonadas não são, no entanto, apenas erros teóricos, mas, sim, os limites teóricos de uma classe, a burguesia, para o qual o concreto é o indivíduo, uma classe social que percebe o mundo a partir da perspectivas de indivíduos, proprietários privados, cuja representação do social, do comum, do universal, e assim do científico, é e sempre será abstrato. Para Marx, essa é apenas a representação aparente e ideológica do real. Mas, apesar de aparente, essa representação burguesa permite descrever o domínio dos fenômenos, e atinge um certo conhecimento da superfície desse real. Este é o ponto de vista da Economia Política e, em parte, das chamadas ciências humanas, que se diferenciam do empirismo, em geral, apenas por possuírem formas ás vezes um pouco mais elaboradas de indução e, assim, robinsonadas menos evidentes. As ciências humanas constroem, em geral, as suas representações também a partir da generalização de dados empíricos, mas, com a mediação de de certas estruturas abstratas, por exemplo, os tipos ideais weberianos ou modelos quantitativos de origem matemática, e a partir destes conceitos abstratos, as ciências humanas envolvem o material empírico e o organizam. Ainda que nestas robinsonandas os “robinsons” tenham pretensões, ás vezes, a uma universalidade de sujeito transcendental kantiano, estamos ainda diante de uma representação burguesa do real, ou seja, onde o concreto é a percepção do mundo do indivíduo e onde o universal será sempre abstrato. Jamais se chega e jamais se pretende chegar á representação “viva da matéria”, como dizia Marx, ou seja, jamais se chega a representação da totalidade concreta em movimento.
Para Marx, tomando como perspectiva a classe operária, no entanto, trata-se de construir uma representação do real que negue a representação da Economia Política, que negue a aparência empírico-indutiva do real, as robinsonadas da Economia Burguesa.
Por isto, o método de Marx não pode ser a perspectiva dos indivíduos que percebem o mundo de maneira psicológica, e que constroem a sua representação do mundo a partir do método empírico-indutivo, ou de certas variantes positivistas ou kantianas, todas expressões, em últimas instância, da perspectiva de classe burguesa e de suas diversas fases de dominação.
Como construir, então, outra representação do real que corresponda á perspectiva de uma classe social não-dominante, o proletariado, como tirá-la da dominação ideológica? Como construir uma representação que desvele a estruturação contraditória de classes que caracteriza o modo de produção capitalista?

Para isto, é necessário abandonar a representação empírico-indutiva da Economia Política, superar os dados dos sentidos, negar a consciência psicológico-empírica como base á construção de universais, e fazer uma construção do real que seja, ao mesmo tempo e na mesma relação, a representação lógica e histórica da totalidade. Se esta representação fosse apenas lógica, seria uma forma neo-kantiana ou neopositivista de representar o real. Se fosse uma representação somente histórica, por outro lado, seria uma forma de historicismo e, assim, de reprodução de dados empíricos, sem maior negatividade conceitual. Mas, como tornar possível essa difícil unidade entre o lógico e o histórico? Não se trata de pensar separadamente ou de maneira justaposta uma estrutura sincrônica e outra diacrônica, mas, de pensar o tempo lógico e o histórico no interior de um mesmo gênero. Essa unidade entre o lógico e o histórico é, por excelência, contraditória, pois é pensar que as categorias lógicas podem transformarem-se, negar-se a si próprias, serem postas em devir (permanente) e conservarem ainda assim, seu valor de verdade. Isto significa dar “vida” ás categorias lógicas e mostrar que o tempo conceitual não é incompatível com o tempo histórico. Significa que algo pode ser e não ser ao mesmo tempo e, na mesma relação, A e não-A. Mas aqui, justamente, encontramo-nos com a dialética: trata-se de pensar a identidade do não-idêntico.
Somente pela unidade contraditória entre o Ser e o Devir, entre o lógico e a sua gênese pode-se pensar uma teoria dialética da verdade, uma teoria de desvelamento do mundo que não é somente representação abstrata do real, mas sim, representação concreta, viva logos, perpassado pelo histórico e que retorna a este como movimento do negativo, como negação da negação, como práxis.

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