domingo, 22 de junho de 2008

O que são políticas públicas

O que são políticas públicas

Não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja política pública. Mead
(1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980), como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição de política pública como "o que o governo escolhe fazer ou não fazer".3 A definição mais conhecida continua sendo a de Laswell, ou seja, decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz.
Outras definições enfatizam o papel da política pública na solução de problemas. Críticos dessas definições, que superestimam aspectos racionais e procedimentais das políticas públicas, argumentam que elas ignoram a essência da política pública, isto é, o embate em torno de idéias e interesses. Pode-se também acrescentar que, por concentrarem o foco no papel dos governos, essas definições deixam de lado o seu aspecto conflituoso e os limites que cercam as decisões dos governos. Deixam também de fora possibilidades de cooperação que podem ocorrer entre os governos e outras instituições e grupos sociais.
No entanto definições de políticas públicas, mesmo as minimalistas, guiam o nosso olhar para o locus onde os embates em torno de interesses, preferências e idéias se desenvolvem, isto é, os governos. Apesar de optar por abordagens diferentes, as definições de políticas públicas assumem, em geral, uma visão holística do tema, uma perspectiva de que o todo é mais importante do que a soma das partes e que indivíduos, instituições, interações, ideologia e interesses contam, mesmo que existam diferenças sobre a importância relativa destes fatores.
Assim, do ponto de vista teórico-conceitual, a política pública em geral e a política social em particular são campos multidisciplinares, e seu foco está nas explicações sobre a natureza da política pública e seus processos. Por isso, uma teoria geral da política pública implica a busca de sintetizar teorias construídas no campo da sociologia, da ciência política e da economia. As políticas públicas repercutem na economia e nas sociedades, daí por que qualquer teoria da política pública precisa também explicar as inter-relações entre Estado, política, economia e sociedade. Tal é também a razão pela qual pesquisadores de tantas disciplinas - economia, ciência política, sociologia, antropologia, geografia, planejamento, gestão e ciências sociais aplicadas - partilham um interesse comum na área e têm contribuído para avanços teóricos e empíricos.
Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, "colocar o governo em ação" e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.
Se admitirmos que a política pública é um campo holístico, isto é, uma área que situa diversas unidades em totalidades organizadas, isso tem duas implicações. A primeira é que, como referido acima, a área torna-se território de várias disciplinas, teorias e modelos analíticos. Assim, apesar de possuir suas próprias modelagens, teorias e métodos, a política pública, embora seja formalmente um ramo da ciência política, a ela não se resume, podendo também ser objeto analítico de outras áreas do conhecimento, inclusive da econometria, já bastante influente em uma das subáreas da política pública, a da avaliação, que também vem recebendo influência de técnicas quantitativas. A segunda é que o caráter holístico da área não significa que ela careça de coerência teórica e metodológica, mas sim que ela comporta vários "olhares". Por último, políticas públicas, após desenhadas e formuladas, desdobram-se em planos, programas, projetos, bases de dados ou sistema de informação e pesquisas.4 Quando postas em ação, são implementadas, ficando daí submetidas a sistemas de acompanhamento e avaliação.


O papel dos governos

Debates sobre políticas públicas implicam responder à questão sobre o espaço que cabe aos governos na definição e implementação de políticas públicas. Não se defende aqui que o Estado (ou os governos que decidem e implementam políticas públicas ou outras instituições que participam do processo decisório) reflete tão-somente as pressões dos grupos de interesse, como diria a versão mais simplificada do pluralismo. Também não se defende que o Estado opta sempre por políticas definidas exclusivamente por aqueles que estão no poder, como nas versões também simplificadas do elitismo, nem que servem apenas aos interesses de determinadas classes sociais, como diriam as concepções estruturalistas e funcionalistas do Estado. No processo de definição de políticas públicas, sociedades e Estados complexos como os constituídos no mundo moderno estão mais próximos da perspectiva teórica daqueles que defendem que existe uma "autonomia relativa do Estado", o que faz com que o mesmo tenha um espaço próprio de atuação, embora permeável a influências externas e internas (Evans, Rueschmeyer e Skocpol, 1985). Essa autonomia relativa gera determinadas capacidades, as quais, por sua vez, criam as condições para a implementação de objetivos de políticas públicas. A margem dessa "autonomia" e o desenvolvimento dessas "capacidades" dependem, obviamente, de muitos fatores e dos diferentes momentos históricos de cada país.
Apesar do reconhecimento de que outros segmentos que não os governos se envolvem na formulação de políticas públicas, tais como os grupos de interesse e os movimentos sociais, cada qual com maior ou menor influência a depender do tipo de política formulada e das coalizões que integram o governo, e apesar de uma certa literatura argumentar que o papel dos governos tem sido encolhido por fenômenos como a globalização, a diminuição da capacidade dos governos de intervir, formular políticas públicas e de governar não está empiricamente comprovada. Visões menos ideologizadas defendem que, apesar da existência de limitações e constrangimentos, estes não inibem a capacidade das instituições governamentais de governar a sociedade (Peters, 1998: 409), apesar de tornar a atividade de governar e de formular políticas públicas mais complexa.



Modelos de formulação e análise de políticas públicas

Dentro do campo específico da política pública, alguns modelos explicativos foram desenvolvidos para se entender melhor como e por que o governo faz ou deixa de fazer alguma ação que repercutirá na vida dos cidadãos. Muitos foram os modelos desenvolvidos e aqui serão mapeados apenas os principais.
O tipo da política pública
Theodor Lowi (1964; 1972) desenvolveu a talvez mais conhecida tipologia sobre política pública, elaborada através de uma máxima: a política pública faz a política. Com essa máxima Lowi quis dizer que cada tipo de política pública vai encontrar diferentes formas de apoio e de rejeição e que disputas em torno de sua decisão passam por arenas diferenciadas. Para Lowi, a política pública pode assumir quatro formatos. O primeiro é o das políticas distributivas, decisões tomadas pelo governo, que desconsideram a questão dos recursos limitados, gerando impactos mais individuais do que universais, ao privilegiar certos grupos sociais ou regiões, em detrimento do todo. O segundo é o das políticas regulatórias, que são mais visíveis ao público, envolvendo burocracia, políticos e grupos de interesse. O terceiro é o das políticas redistributivas, que atinge maior número de pessoas e impõe perdas concretas e no curto prazo para certos grupos sociais, e ganhos incertos e futuro para outros; são, em geral, as políticas sociais universais, o sistema tributário, o sistema previdenciário e são as de mais difícil encaminhamento. O quarto é o das políticas constitutivas, que lidam com procedimentos. Cada uma dessas políticas públicas vai gerar pontos ou grupos de vetos e de apoios diferentes, processando-se, portanto, dentro do sistema político de forma também diferente.


Incrementalismo

A visão da política pública como um processo incremental foi desenvolvida por Lindblom (1979), Caiden e Wildavsky (1980) e Wildavisky (1992). Baseados em pesquisas empíricas, os autores argumentaram que os recursos governamentais para um programa, órgão ou uma dada política pública não partem do zero e sim, de decisões marginais e incrementais que desconsideram mudanças políticas ou mudanças substantivas nos programas públicos. Assim, as decisões dos governos seriam apenas incrementais e pouco substantivas. A visão incrementalista da política pública perdeu parte do seu poder explicativo com as profundas reformas ocorridas em vários países, provocadas pelo ajuste fiscal. No entanto os que trabalham nos governos e os que pesquisam os orçamentos públicos conhecem bem a força do incrementalismo, que mantém intactos estruturas governamentais e recursos para políticas públicas que deixaram de estar na agenda dos governos. Mas é do incrementalismo que vem a visão de que decisões tomadas no passado constrangem decisões futuras e limitam a capacidade dos governos de adotar novas políticas públicas ou de reverter a rota das políticas atuais.


O ciclo da política pública

Esta tipologia vê a política pública como um ciclo deliberativo, formado por vários estágios e constituindo um processo dinâmico e de aprendizado. O ciclo da política pública é constituído dos seguintes estágios: definição de agenda, identificação de alternativas, avaliação das opções, seleção das opções, implementação e avaliação.
Esta abordagem enfatiza sobremodo a definição de agenda (agenda setting) e pergunta por que algumas questões entram na agenda política, enquanto outras são ignoradas. Algumas vertentes do ciclo da política pública focalizam mais os participantes do processo decisório, e outras, o processo de formulação da política pública. Cada participante e cada processo podem atuar como um incentivo ou como um ponto de veto. À pergunta de como os governos definem suas agendas, são dados três tipos de respostas. A primeira focaliza os problemas, isto é, problemas entram na agenda quando assumimos que devemos fazer algo sobre eles. O reconhecimento e a definição dos problemas afeta os resultados da agenda. A segunda resposta focaliza a política propriamente dita, ou seja, como se constrói a consciência coletiva sobre a necessidade de se enfrentar um dado problema. Essa construção se daria via processo eleitoral, via mudanças nos partidos que governam ou via mudanças nas ideologias (ou na forma de ver o mundo), aliados à força ou à fraqueza dos grupos de interesse. Segundo esta visão, a construção de uma consciência coletiva sobre determinado problema é fator poderoso e determinante na definição da agenda. Quando o ponto de partida da política pública é dado pela política, o consenso é construído mais por barganha do que por persuasão, ao passo que, quando o ponto de partida da política pública encontra-se no problema a ser enfrentado, dá-se o processo contrário, ou seja, a persuasão é a forma para a construção do consenso. A terceira resposta focaliza os participantes, que são classificados como visíveis, ou seja, políticos, mídia, partidos, grupos de pressão, etc. e invisíveis, tais como acadêmicos e burocracia. Segundo esta perspectiva, os participantes visíveis definem a agenda e os invisíveis, as alternativas.


O modelo "garbage can"

O modelo garbage can ou "lata de lixo" foi desenvolvido por Cohen, March e Olsen (1972), argumentando que escolhas de políticas públicas são feitas como se as alternativas estivessem em uma "lata de lixo". Ou seja, existem vários problemas e poucas soluções. As soluções não seriam detidamente analisadas e dependeriam do leque de soluções que os decisores (policy makers) têm no momento. Segundo este modelo, as organizações são formas anárquicas que compõem um conjunto de idéias com pouca consistência. As organizações constroem as preferências para a solução dos problemas - ação - e não, as preferências constroem a ação. A compreensão do problema e das soluções é limitada, e as organizações operam em um sistema de tentativa e erro. Em síntese, o modelo advoga que soluções procuram por problemas. As escolhas compõem um garbage can no qual vários tipos de problemas e soluções são colocados pelos participantes à medida que eles aparecem. Esta abordagem foi aplicada por Kingdon (1984), combinando também elementos do ciclo da política pública, em especial a fase de definição de agenda (agenda setting), constituindo o que se classifica como um outro modelo, o de multiple streams, ou "múltiplas correntes". 6


Coalizão de defesa

O modelo da coalizão de defesa (advocacy coalition), de Sabatier e Jenkins-Smith (1993), discorda da visão da política pública trazida pelo ciclo da política e pelo garbage can por sua escassa capacidade explicativa sobre por que mudanças ocorrem nas políticas públicas. Segundo estes autores, a política pública deveria ser concebida como um conjunto de subsistemas relativamente estáveis, que se articulam com os acontecimentos externos, os quais dão os parâmetros para os constrangimentos e os recursos de cada política pública. Contrariando o modelo do garbage can, Sabatier e Jenkins-Smith defendem que crenças, valores e idéias são importantes dimensões do processo de formulação de políticas públicas, em geral ignorados pelos modelos anteriores. Assim, cada subsistema que integra uma política pública é composto por um número de coalizões de defesa que se distinguem pelos seus valores, crenças e idéias e pelos recursos de que dispõem.7


Arenas sociais

O modelo de arenas sociais vê a política pública como uma iniciativa dos chamados empreendedores políticos ou de políticas públicas. Isto porque, para que uma determinada circunstância ou evento se transforme em um problema, é preciso que as pessoas se convençam de que algo precisa ser feito. É quando os policy makers do governo passam a prestar atenção em algumas questões e a ignorar outras. Existiriam três principais mecanismos para chamar a atenção dos decisores e formuladores de políticas públicas: (a) divulgação de indicadores que desnudam a dimensão do problema; (b) eventos tais como desastres ou repetição continuada do mesmo problema; e (c) feedback, ou informações que mostram as falhas da política atual ou seus resultados medíocres. Esses empreendedores constituem a policy community, comunidade de especialistas, pessoas que estão dispostas a investir recursos variados esperando um retorno futuro, dado por uma política pública que favoreça suas demandas. Eles são cruciais para a sobrevivência e o sucesso de uma idéia e para colocar o problema na agenda pública.
Esses empreendedores podem constituir, e em geral constituem, redes sociais.8 Redes envolvem contatos, vínculos e conexões que relacionam os agentes entre si e não se reduzem às propriedades dos agentes individuais. As instituições, a estrutura social e as características de indivíduos e grupos são cristalizações dos movimentos, trocas e "encontros" entre as entidades nas múltiplas e intercambiantes redes que se ligam ou que se superpõem. O foco está no conjunto de relações, vínculos e trocas entre entidades e indivíduos e não, nas suas características. Este método e referencial teórico partem do estudo de situações concretas para investigar a integração entre as estruturas presentes e as ações, estratégias, constrangimentos, identidades e valores. As redes constrangem as ações e as estratégias, mas também as constroem e reconstroem continuamente. A força deste modelo está na possibilidade de investigação dos padrões das relações entre indivíduos e grupos.

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