TEXTO DA PROXIMA AULA DA MARTA.
BASES DO AUTORITARISMO BRASILEIRO
Simon Schwartzman
3a. edição revista e ampliada Editora Campus, 1988 (2a. edição, 1982)
Capítulo 5
DO IMPÉRIO À REPÚBLICA: CENTRALIZAÇÃO, DESEQUILÍBRIOS REGIONAIS E DESCENTRALIZAÇÃO
1. A Vida Política no Século XIX
2. De Províncias a Estados
3. Regionalismo e Centralização no Movimento Republicano
4. A Base Regional do Militarismo: Rio Grande do Sul
5. São Paulo e Minas Gerais
6. A Revolução de 1930- Fatos e Ideologias
7. A Nova Centralização
Notas
1. A Vida Política no Século XIX
Uma das características mais notáveis do Brasil do século XIX é o estabelecimento de uma monarquia estável no país, que funciona sem maiores percalços de 1840 a 1889, tendo antes passado por um período de consolidação iniciado em 1808. Sem pretender reproduzir aqui a história deste período, vale a pena fixar algumas das suas características que se vinculam mais de perto à questão da formação do Estado e seu relacionamento com os demais setores da sociedade brasileira na época.
O período inicial do Império é caracterizado pelo conflito entre "brasileiros" e "portugueses", mais tarde traduzido em termos de um conflito entre os Partidos Liberal e Conservador. A dissolução da Assembléia Constituinte de 1823 é uma vitória dos "portugueses," assim como a abdicação de D. Pedro I, uma vitória dos "brasileiros." Após a abdicação, o país entra em um período de rebeliões regionais que ameaçam sua fragmentação política e territorial. No processo de consolidação política, o governo central teve que criar uma força militar relativamente independente das regiões em que estivesse estacionada e, desta forma, foi iniciada a formação de um exército nacional regular.
Tanto a Marinha quanto o Exército eram compostos, nos primórdios do Brasil independente, de portugueses e mercenários, mas a nacionalização do Exército parece ter ocorrido muito mais rapidamente. Um decreto, em 1831, reorganizou o Exército, fixando seu efetivo em dez mil homens, e o número de pessoas alistadas permaneceu entre 15 e 20 mil durante todo o século XIX, com exceção do período da Guerra do Paraguai. Havia cerca de 35 mil homens em armas em 1865, 83 mil em 1869, mas somente 15 mil em 1873; Esta diminuição esconde, entretanto, o processo de desenvolvimento de um exército profissional e organizado, incrementado a partir da derrota dos movimentos sediciosos do Período Regencial.(1) Estas sedições eclodiram, a partir de 183 i, na Bahia, Pernambuco, Pará e Rio Grande do Sul. Em 1839, ano que antecede à declaração de maioridade de D. Pedro II, ocorriam rebeliões nos quatro estados. Em 1845, no entanto, somente o movimento farroupilha no Rio Grande do Sul não estava totalmente dominado.(2) Não é, evidentemente, uma coincidência o fato de õ homem responsável pela eliminação das rebeliões ser também considerado o fundador e patrono do Exército brasileiro.
Apesar de diminuírem as rebeliões a partir da década de 1849, o Exército que foi organizado para conte-las continuou a manter altos os seus gastos, numa indicação clara da irreversibilidade do fortalecimento da instituição militar. Na década de 1830, estes gastos oscilavam entre 30 e 40% das despesas totais do governo central; no ano fiscal de 1939-40, atingiram 56%, diminuindo depois lentamente até um patamar ao redor dos 40% da despesa total, onde se mantiveram até 1870. Esta redução não significou, no entanto, uma diminuição de gastos absolutos, já que as despesas públicas cresceram sem interrupção durante todo este período.(3) De fato as despesas governamentais triplicaram nos dez primeiros anos que se seguiram à independência, aumentando progressivamente a partir daí.
Não se trata, tampouco, de um aumento simplesmente nominal, já que o valor da moeda brasileira se manteve estável em relação à libra inglesa durante a maior parte do século XIX.(4) Este aumento de gastos governamentais seguiu de perto a recuperação da economia brasileira na segunda metade do século, graças principalmente ao café; este crescimento também reflete a habilidade cada vez maior do governo central em extrair recursos em seu próprio beneficio.
Quem participava desta estrutura governamental em expansão? Eleitoralmente, renda e propriedade condicionaram o exercício de direitos políticos durante todo o Período Imperial.(5) O número de eleitores em 1872 era cerca de um milhão, o que representava 9% da população total do país.(6) Este número dá somente uma indicação muito geral dos limites alcançados pelo sistema de participação política, que além de limitado era sujeito a fraudes e irregularidades de todo tipo, situação que se manteve durante a Primeira República e permitia ao governo eleger os candidatos que queria.
A Assembléia Constituinte de 1823 representou, segundo a interpretação de Faoro, as tendências mais liberais e centrifugas das províncias, em contraposição às tendências mais centralizadoras do governo imperial. De maneira geral, o Congresso parece ter sido, tradicionalmente, o lugar em que a oposição descentralizadora tinha mais possibilidades de fazer-se ouvir, e isto talvez explique o fato de que os recursos à disposição da Câmara de Deputados tenham diminuído, em termos relativos, através do tempo.(7)
O orçamento legislativo era parte do orçamento total do Ministério do Império, sendo sempre muito menor do que os gastos da Família Real, que representava o maior item das despesas daquele ministério. Os gastos governamentais com o Legislativo nunca foram além de 1,6% do orçamento total e tenderam a aumentar minimamente entre a primeira e a segunda metade do período (0,75% de 1837 a 1864 e 1,1% de 1864 a 1889). É claro que estes números em si mesmos não expressam a força política do Legislativo, mas registram a imagem de um Executivo forte e centralizador, que foi capaz, pouco a pouco, de ir cooptando a oposição liberal ao establishment político da época.
Se a filiação partidária dos detentores de posições executivas e legislativas não nos diz muito sobre quem eles de fato representavam, os dados de origem regional podem ser um indicador melhor, pois, principalmente a partir do Segundo Reinado, parecem bastante significativos. Enquanto o centro de gravidade econômico e demográfico se movia para o Sul, a base política do governo parecia transferir-se para o Norte. São Paulo e Rio Grande do Sul eram claramente sub-representados, e não é por acaso que estes estados foram o foco da oposição republicana ao Império.(8) A alienação política das fontes emergentes de riqueza era similar á resistência encontrada pelas Forças Armadas em sua tentativa de desempenhar um papel político mais ativo. O fim do Império abre o caminho à descentralização política e a uma maior correspondência entre poder político e desenvolvimento social e econômico.
2. De Províncias a Estados
Com a República, as antigas províncias, agora estados, puderam desempenhar um papel mais ativo do que até então lhes era permitido. Uma vez consolidado, o novo regime republicano ficou famoso pela "Política dos Governadores", que supunha um comando dos governadores dos principais estados, São Paulo e Minas pelo menos, nas grandes decisões nacionais, a começar pela indicação dos candidatos à presidência.(9)
Uma visão da administração provincial durante o período do Império nos é proporcionada pelo trabalho pioneiro de Francisco Iglésias sobre o governo provincial de Minas Gerais.(10) O primeiro elemento que ressalta neste trabalho é o sistema hierárquico e centralizado de autoridade em nível nacional. Os presidentes de província eram nomeados pelo imperador e tinham sua lealdade e fidelidade totalmente orientadas para o governo central. Não era necessário ao presidente ser natural da província que governava ou estar de alguma forma a ela relacionado; com freqüência um mesmo homem ocupava a presidência de várias províncias em sua carreira política. "Não se sente, na Monarquia", diz Iglésias, "o espírito de região influindo no governo, como é comum na República. Os estadistas do tempo foram homens nacionais: ainda que expressivos de suas terras, com os traços de Pernambuco, Minas ou Rio Grande do Sul, não faziam o jogo regionalista na vida pública."(11)
A esta centralização extrema aliava-se uma alta rotatividade, uma indefinição de funções e uma ausência de políticas governamentais explícitas. Durante 65 anos Minas Gerais teve 122 períodos presidenciais, dando uma média de pouco mais de seis meses para cada administração. Estes pequenos mandatos eram degraus na carreira política dos homens públicos da época, que pertenciam a um dos partidos que se alternavam nos gabinetes imperiais e tinham como função precípua assegurar a vitória da sua agremiação nas eleições para o Congresso em suas províncias.(12)
Este sistema era, sem dúvida, muito ineficiente em termos de capacidade administrativa. Iglésias proporciona abundante evidência de críticas a ele endereçadas durante o Período Imperial. No entanto, ele parece ter sido suficientemente eficiente naquilo que era mais importante para o governo centralizado do Rio de Janeiro, ou seja, manter oi poder central livre de demandas regionais e assegurar a alternância pacífica no sistema bipartidário, que funcionava tão bem dentro de seus limites. Havia poucos meios ou instrumentos pelos quais a vida econômica e social das províncias pudesse ser influenciada e dirigida a partir de cima e, por outro lado, nenhuma atividade de agregação de interesses locais e nacionais podia ser realizada. Esta capacidade tão limitada de mútua influência era, exatamente, oi necessário para assegurar a autonomia do governo central.
José Murilo de Carvalho, em sua excelente caracterização da burocracia estabelecida pelo poder imperial, faz uma comparação entre o Brasil e os Estados Unidos na qual se vê que a burocracia brasileira tinha a forma de uma pirâmide invertida, com grande número de posições de nível nacional e poucas de nível local, ao contrário da estrutura norte-americana.(13) Isto revela que, no Brasil, sistemas autônomos de poder local, baseados na propriedade da terra e em laços familiares, podiam florescer e prosperar, mas dificilmente se articular como corpos políticos efetivos de nível regional. A ausência de canais estáveis de comunicação entre a autoridade política e a liderança local levava, muitas vezes, a choques violentos, dos quais a rebelião de Canudos é o exemplo mais famoso.(14) No nível da teoria política, esta situação levou a um sério mal-entendido no que diz respeito à natureza do sistema político brasileiro, ou seja, à noção de que os chefes locais eram a base e fonte de poder político regional e nacional, através de níveis sucessivos de agregação de interesses e articulação política. De acordo com esta perspectiva, os chefes locais far-se-iam representar na política regional e nacional por filhos e parentes educados nas universidades do Rio, São Paulo ou do exterior, que podiam absorver toda a retórica do liberalismo europeu sem renunciar a suas raízes rurais e tradicionais. A conseqüência teria sido um tipo de esquizofrenia política que separava o que era dito e escrito nos livros e leis da realidade em que o poder político realmente se apoiava. O estilo reconhecidamente retórico e abstrato do discurso político nacional, assim como de seus textos legais e constitucionais, tende a ser atribuído a esta discrepância entre uma fachada de integração e institucionalização política a nível nacional, e uma realidade de poder disperso e atomizado no nível local. O sistema político tinha, assim, a aparência de se basear em uma sociedade integrada a nível nacional, mas isto não passaria de uma tênue superestrutura encobrindo um sistema de poder familiar e privado.(15)
O problema teórico desta visão das coisas é que ela tende a desconsiderar a estrutura política nacional, como sendo algo praticamente insignificante. Não obstante, este sistema central foi capaz de manter a integridade territorial do país e dominar as tentativas de rebelião separatista que começaram a se manifestar logo após a Independência. Mais ainda, ele foi capaz de manter, depois da Regência, um regime muito mais centralizado do que os esforços de autonomia local poderiam fazer supor. A tese alternativa de que o poder era de fato centralizado e concentrado no nível do executivo permite entender melhor estes fatos, mas deixa fora do quadro as evidentes manifestações de poder privado e familístico tão abundantes na literatura. Na realidade, o debate entre as teorias da centralização e a do poder descentralizado está mal colocado. Não ocorria uma destas coisas, mas as duas. De um lado, um poder político centralizado e hierárquico, que não dependia de bases locais de sustentação, apoiando-se na própria máquina administrativa governamental para subsistir e se afirmar. De outro, um poder privado e autônomo difuso, que só adquiria expressão política quando era cooptado pelo Estado, e que entrava em uma trajetória de conflito e derrota quando pretendia se articular, minimamente que fosse, como força política autônoma e representativa de seus interesses. A transferência do eixo econômico do país para o Centro-Sul vai alterando, no entanto, esta situação. A médio prazo, o fim do Império significa, entre outras coisas, a incapacidade do governo monárquico para incorporar de alguma forma uma liderança regional que surgia de forma cada vez mais ativa e articulada. A longo prazo, no entanto, nem mesmo um sistema representativo tão oligárquico como a República Velha teve condições de se manter, ante as tentativas centralizadoras do Estado.
3. Regionalismo e Centralização no Movimento Republicano
A Primeira República, que durou até 1930, não conduziu a um aumento do âmbito do sistema político, em termos de crescimento de participação política popular. É notável como o sistema de participação política pôde se manter estagnado enquanto praticamente todos os demais indicadores de desenvolvimento social e econômico cresciam exponencialmente, como se pode ver no gráfico a seguir:
Antes de 1930, a percentagem de votantes em relação à população total jamais ultrapassou os 3,5%, e os dados para as eleições parlamentares no Período Imperial eram pouco inferiores; somente em 1945, na verdade, é que cerca de 15% da população do país compareceu a uma eleição nacional.(16)
Este fato, combinado com o anedotário nacional sobre fraudes e corrupção eleitoral, levou à noção de que o Período Republicano representou a época de plena implementação de um sistema de poder oligárquico baseado nos grandes estados, que teria efetivamente substituído a centralização imperial. Edgar Carone, em sua obra sobre a Primeira República, compartilha desta idéia. Ele se refere ao "povo" como o "grande ausente" da Primeira República:
A implantação da República é o gesto de uma classe, reivindicação de um grupo em desenvolvimento (...) A Primeira República é o período em que os senhores do café ascendem ao poder, alcançam sua plenitude e depois declinam para seu ocaso.(17)
Carone tem consciência das dificuldades de ligar uma interpretação classista tão direta com fatos tão conhecidos como a presença dos militares e dos monarquistas na vida política da República Velha. Suas respostas tendem a ser historiográficas e casuísticas. Ele diz, por exemplo, que os militares desprezam os civis e que se dividiam entre os que desejavam o respeito às normas constitucionais e os que desejavam "coparticipar" do poder; terminando por considerar os militares como um "segmento das classes médias."(18)
O fato, no entanto, é que a participação militar no sistema político, àquela época, se relacionava mais com o sistema de clivagens regionais e com as mudanças na estrutura governamental que com a pretensa incorporação de "setores médios" no processo político. Isto se pode ver com clareza quando examinamos o movimento republicano que antecedeu à queda do Império, em suas vertentes ideológicas e regionais tão diferentes.
O inicio do movimento republicano no Brasil pode ser datado de 1870, com a publicação do Manifesto Republicano no Rio de Janeiro.(19) O manifesto responsabilizava o regime monárquico por todos os males do país e afirmava que a República traria a solução para tudo. No entanto, além da substituição do imperador por um presidente, o manifesto pouco propunha em termos de mudanças especificas da estrutura social e política do país. O único tema sugerido é o do aumento da autonomia dos estados, tese federalista que seria central em quase todo o movimento republicano.
O Manifesto Republicano foi, desde seu início, um esforço de conseguir o máximo de apoio para o movimento, e por isso deixou de lado os temas mais controvertidos. Estes, entretanto, viriam a aparecer em uma série de crises por que passou o republicanismo desde suas origens.
O movimento republicano no Rio se expressava através do jornal A República, que tendia a absorver toda a retórica da elite política da época, dividindo o mundo entre coisas boas ou más, corretas ou incorretas, mas nunca convenientes ou inconvenientes de acordo com certos interesses. Assim, o governo monárquico era considerado
tão mau, que por melhor que sela o homem, a realeza força-o a perder o que ele tem de bom; a monarquia é má para o país, estraga os homens, ata-lhes as mãos, corrompe o próprio rei.(20)
Ainda que estas pareçam ser as razões suficientes para arregimentar qualquer pessoa ao republicanismo, o fato é que a oposição republicana se baseava em fatos muito mais específicos e concretos.
Uma análise de conteúdo de jornais do Rio e São Paulo durante os últimos cinco anos do Império dá uma evidência inicial de dois tipos bem diferentes de oposição ao governo imperial.(21) Um destes jornais era A Província de São Paulo, e o outro O País, do Rio de Janeiro. O jornal carioca tendia a favorecer uma solução militar para a crise política e, de fato, pedia aos militares que interviessem contra o Império; o jornal de São Paulo, no entanto, era explicitamente contra a solução militar.
Esta diferença é fácil de entender. A Província de São Paulo refletia os setores daquele estado ligados à expansão do café, que tinham, já naquela época, uma capacidade de agregação de interesses que suplantava a de todas as demais províncias. A mudança de um regime monárquico para um regime militar não aumentaria a autonomia política por eles desejada, e poderia, na realidade, impedir que esta autonomia viesse a se consolidar. Quando, finalmente, se deu a solução militar, o conflito entre o Partido Republicano Paulista e o governo militar foi quase imediato, de uma forma que voltaria a se repetir intermitentemente no futuro.
A ideologia republicana que aparece na analise de conteúdo de A Província de São Paulo pode ser resumida em uma série de aspectos. Primeiro, o tema do federalismo era central e, não raro, mais importante que a própria idéia republicana. Um dos lideres republicanos paulistas, Prudente de Morais, foi eleito para a Assembléia Provincial pelo Partido Liberal [monarquista] em 1877, e, justificando sua indicação por esta agremiação, dizia que,
se for eleito, na Assembléia Provincial, procurarei antes de tudo ser um verdadeiro paulista, só aceitando ou indicando medidas que importarem a satisfaça-o das necessidades reais e que forem tendentes ao engrandecimento e prosperidade de nossa província...(22)
O segundo aspecto é que os paulistas tendiam a deixar de lado o tema da escravidão, que era, no entanto, fundamental para os republicanos mais radicais do Rio e outros centros urbanos. Em uma declaração formal feita em 1872, os republicanos paulistas diziam claramente que não forçariam o tema da escravidão, já que
O Partido Republicano, cujas tendências não são autoritárias, está bem longe de executar reformas que não sejam inspiradas pela nação.(23)
Nesta época, as plantações de café em São Paulo já iniciavam a rápida transição para o trabalho assalariado, fazendo com que o tema da abolição fosse menos difícil ali que em outras áreas do país.(24) Mesmo assim, prevaleceu uma atitude cuidadosa e não-conflitiva. O primeiro congresso do PRP afirmava, em 1873, o princípio da autonomia regional, de acordo com o qual cada estado deveria tratar do problema da escravidão de acordo com suas possibilidades e condições próprias de substituição do escravo pelo trabalhador livre, com o devido respeito pelos direitos de propriedade.
Em terceiro lugar, o movimento republicano em São Paulo era não-violento e bem-comportado, funcionando dentro das regras aceitas do jogo político daquela época. Os republicanos paulistas, não somente disputaram cadeiras das assembléias da província e nacional durante o Império, como também entraram em diversas coalizões com os Partidos Conservador e Liberal. Assim, Prudente de Morais foi eleito pelos liberais em 1877; em 1881, vários candidatos conservadores foram eleitos com apoio republicano;(25) em 1884, Campos Sales e Prudente de Morais, ambos líderes do Partido Republicano, foram eleitos para o Congresso com apoio conservador.(26) Este tipo de participação política continuou, e estima-se que, no final do Império, os republicanos comandavam já cerca de 1/4 dos votos eleitorais da província paulista.
O outro tipo de republicanismo foi, provavelmente, melhor caracterizado pelo político pernambucano Silva Jardim. Sua fonte de inspiração era muito mais Augusto Comte que Jefferson; absorvia do positivismo a noção de um regime centralizado, racional, modernizados e ditatorial, legitimado por plebiscitos, de evidente inspiração francesa. Em manifesto lançado em 1889, em oposição ao Partido Republicano oficial, Silva Jardim defendia uma presidência forte, criada pela aclamação do voto popular, submetida posteriormente ao sufrágio universal. E, em um outro, dizia que
(...) o regime republicano exerce-se no campo da ação prática pela concentração das forças políticas, isto é, pela ditadura, tio forte quanto responsável (...) na ditadura republicana, quem governa é um representante da opinião pública, por ela instituído ou sancionado.(27)
Não havia lugar para federalização ou descentralização de poder neste tipo de modelo político; e, dado que Silva Jardim não sofria influência direta de proprietários de terra e cafeicultores, podia aderir com facilidade e entusiasmo ao movimento abolicionista que começava a dominar o Rio de Janeiro.
Não é de surpreender que este tipo de republicano radical não encontrasse apoio entre os lideres do movimento republicano em São Paulo ou Minas Gerais. Na realidade, Silva Jardim entra em conflito aberto com o Partido Republicano, mas encontra um companheiro de viagem que se mostraria, com o tempo, mais importante que os partidos republicanos regionais: o Exército nacional.
É sabido que as idéias positivistas eram ensinadas na Escola Militar do Rio de Janeiro desde pelo menos 1850, e noções tais como o valor da técnica e da racionalização, anticlericalismo, centralização política e governo efetivo eram correntes entre os intelectuais militares na década de 1880.(28) Silva Jardim viu bem esta conexão quando, por exemplo, pedia abertamente o apoio militar para a causa republicana.(29) Mais importante que a militância pessoal de Silva Jardim, no entanto, foi o papel do republicanismo positivista no Rio Grande do Sul, sob a direção de Júlio de Castilhos, um positivista convicto, graças às relações tão próximas entre setores civil e militar naquele Estado. A República começa de fato no Rio Grande, estabelecendo um padrão de divisões regionais intimamente relacionado com os temas de centralização versus autonomia regional e governo civil versus governo militar, que iria permear a vida política do país nas décadas seguintes.
4. A Base Regional do Militarismo: Rio Grande do Sul
A tradição militar do Rio Grande do Sul teve uma influência decisiva no estabelecimento da Primeira República e em seu desenvolvimento. Esta tradição, que data da criação da Colônia do Sacramento na beira do rio da Prata em 1680, era claramente visível no século XIX. Foi ai que se deu o maior movimento secessionista da história do país, a Guerra dos Farrapos (1835-45). Três guerras - a Campanha Cisplatina de 1817-28, as campanhas platinas contra Rosas de 1849-52 e a Guerra do Paraguai de 1864-70 - tiveram este estado-província como base. Joseph Love trata de estimar a participação do Rio Grande nos esforços militares da época: segundo ele, cerca de 3/4 dos homens em armas contra Rosas eram gaúchos, e cerca de 34 mil homens do Rio Grande foram mobilizados para a Guerra do Paraguai mais de 1/4 do total. Cerca de 15 mil homens, mais de 1/4 do Exército brasileiro no período anterior e posterior da Guerra do Paraguai, ficavam regularmente estacionados no Rio Grande. Ainda de acordo com as fontes citadas por Love, o Rio Grande do Sul havia fornecido mais oficiais com nível de general-de-brigada ou superior do que qualquer outra província.(30)
A íntima relação entre as elites civis e militares do Rio Grande foi personificada pela figura proeminente de Manuel Luís Osório, que reuniu à liderança civil um papel relevante nas campanhas militares dos Farrapos e das guerras cisplatina e paraguaia. Seu sucessor na liderança gaúcha, Silveira Martins, não foi um militar, mas comandava seu partido em estilo militar.(31) Quando o movimento republicano começa no Rio Grande, sob a liderança de jovens educados na Faculdade de Direito de São Paulo (Assis Brasil, Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Pinheiro Machado), ele assume quase imediatamente as posições radicais preconizadas por Silva Jardim forte oposição à escravidão, positivismo comtiano, retórica revolucionária e participação militar. Somente em um item, o da descentralização, ele se identificava com os paulistas e mineiros; seguia assim a tradição farroupilha de independência regional e, na realidade, proclamava a Revolução Farroupilha como a raiz e a inspiração da tradição republicana gaúcha. Esta inclinação secessionista não deve, no entanto, ser tomada como uma ideologia federalista, já que, uma vez no poder, os gaúchos se tornavam logo favoráveis à centralização governamental e à intervenção do governo central em outros estados.
As relações entre o republicanismo gaúcho e a corporação militar podem ser vistas claramente na seqüência de eventos que levou à queda do Império em 1889. Um problema de disciplina com um tenente-coronel transformou-se rapidamente em uma crise nacional, envolvendo questões de honra militar, subordinação dos militares à liderança civil etc. A Questão Militar de 1883 surgiu em um período de governo conservador, e uma série de oposições se justapuseram no conflito dai resultante - liberais versus conservadores, liderança civil versus liderança militar, militares profissionais versus lideres políticos militares e, finalmente, republicanos versus monarquistas. Isto criaria, inevitavelmente, um sistema bastante complexo de lealdades cruzadas, dificilmente interpretável de forma simples. O movimento republicano, liderado por Júlio de Castilhos e o jornal A Federação, estava, por um lado, contra a liderança liberal do estado representada por Silveira Martins; mas, ao mesmo tempo, se unia a Silveira Martins no apoio à oficialidade contra a autoridade monárquica civil. A participação do Rio Grande na Questão Militar é das mais importantes. O Visconde de Pelotas, senador liberal do Rio Grande e marechal, faz um violento discurso no Senado em 1886 contra o governo; Sena Madureira, pivô da crise em 1883, faz um pronunciamento no Rio Grande do Sul, condenando o ministro que o puniu em 1884. No final de 1886, o governador gaúcho, também um general daquele estado, assume a defesa pública de Sena Madureira: é Deodoro da Fonseca, que lideraria o golpe contra o Império em 1889. Júlio de Castilhos e seu jornal estavam presentes por toda parte, dando apoio e atiçando a chama do conflito entre a corporação militar e o governo civil; uma placa metálica que lhe foi presenteada pela oficialidade da guarnição de Porto Alegre o homenageava por seu "insuperável patriotismo na defesa dos sagrados direitos da classe militar".(32)
É importante ressaltar que as relações íntimas entre as lideranças civis e militares no Rio Grande não significavam uma efetiva fusão entre os dois setores. O Exército brasileiro, pelo menos desde a Guerra do Paraguai, estava adquirindo as características de um corpo profissional e institucionalizado dentro do governo, e a Questão Militar jamais poderia ser reduzida a um simples conflito entre a liderança política do Rio Grande e a Monarquia. Na realidade, os propagandistas republicanos mais extremados, incluindo Silva Jardim e Júlio de Castilhos, foram marginalizados do movimento de 15 de novembro:(33) afinal, este foi um movimento militar, em que os civis não deveriam intervir. Uma vez implantado o novo governo, no entanto, os civis começaram a se fazer ouvir, ainda que as relações entre os dois setores fossem sempre difíceis e complicadas.
A história do republicanismo no Rio Grande do Sul é marcada pelo conflito contínuo e sangrento entre os sucessores do antigo Partido Liberal, que organizaram o Partido Federalista sob a liderança de Silveira Martins, e o Partido Republicano liderado por Júlio de Castilhos. Castilhos sobe ao governo do estado sob Deodoro, cai quando se inicia o governo de Floriano em 1891, mas volta novamente ao poder pouco depois com o apoio do presidente da República e da guarnição militar de Porto Alegre. Centralização e controle do governo estadual, organizado de acordo com os princípios mais autoritários do modelo positivista, e apoio contínuo ao governo federal em troca de apoio militar e político, tais eram os principais elementos da força e da estratégia política de Castilhos. Enquanto os republicanos se estabeleciam como força política sediada em Porto Alegre e especializada no uso da máquina administrativa em seu favor, a oposição federalista, os maragatos, mantinha suas bases rurais de sustentação na região da fronteira, dando continuidade à tradição caudilhista e rebelde do Rio Grande.(34) Em geral, no entanto, as duas facções da elite política Rio Grandense compartilhavam da tendência ao apelo freqüente à insurreição armada, à aproximação entre civis e militares, assim como à busca de centralização e controle, quando no poder, ou descentralização e federalismo, quando fora dele. Apesar do vulto da imigração européia para o Rio Grande, que o transformaria em um dos estados mais modernos e europeizados do país, as facções políticas estaduais ignoravam as diferenças étnicas e, em geral, deixavam de incorporar os grupos imigrantes em suas disputas.(35) Neste sentido a experiência política rio grandense se assemelha à argentina, e difere fortemente da norte-americana, que tendia a incluir o imigrante na vida política local tão logo ele se estabelecia.
Não teria sentido entrar em detalhes da grande influência gaúcha durante a Primeira República, mas algumas referências adicionais podem ser úteis para completar o quadro. Joseph Love faz um cálculo do número de anos que nativos de cada estado brasileiro ocuparam ministérios da Primeira República, durante dois períodos: de 1889 a 1910 e de 1910 a 1930. Durante o primeiro período, a participação do Rio Grande foi pequena: somente 2,56 anos, contra 12,64 para Minas Gerais, 9,73 para Bahia e 9,02 para São Paulo. É curioso como São Paulo, o centro do republicanismo federalista, é relativamente marginal, e continua assim. Depois de 1910, o Rio Grande passa do 12 para o primeiro lugar com 18,13 anos, contra 16,09 para Minas Gerais e 12,37 para São Paulo. Se considerarmos somente os três ministérios mais importantes - Fazenda, Transporte e Justiça - o Rio Grande cai para o segundo lugar (15,14 contra 15,45 para Minas Gerais), enquanto São Paulo, sempre em terceiro, fica bem atrás com somente 6,71 anos.(36)
Em 1910 ocorreu a primeira eleição competitiva para o Executivo na história do país. Nela, o candidato da oposição, Rui Barbosa, apresentou o civilismo como tema de sua campanha. Esta foi também a primeira oportunidade em que um militar, Hermes da Fonseca, se apresentava como um candidato regular para a presidência. Hermes era, evidentemente, gaúcho, e obteve 48 dos 64 mil votos do Rio Grande. Rui Barbosa ganha em seu estado, a Bahia, com 75% dois votos, e em São Paulo com 74%. Estes dados não podem ser interpretados como representativos da "vontade popular", já que eram sujeitos a manipulações de todos os tipos, legais e ilegais. Mas indicam onde o governo central comandava o processo eleitoral, e onde a oposição tinha condições de se manifestar. Apesar de seu grande prestígio pessoal, Rui perde em todos os demais estados, exceto no Rio de Janeiro e Maranhão.
Uma vez no poder, Hermes trabalha intimamente com o gaúcho Pinheiro Machado na estruturação de um regime forte e intervencionista, assim como na formação de um novo partido, oi Partido Republicano Conservador.(37) Em São Paulo, Pinheiro Machado e Hermes da Fonseca trabalham juntos para quebrar a liderança política do estado. Em outros estados o entendimento não se dá, mas assim mesmo a política de "salvação nacional" cobre todo o país - Magoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piaui, Rio Grande do Sul, São Paulo.(38) Depois do Governo Hermes, somente Minas Gerais, que o apóia desde os inicio, Rio Grande e São Paulo continuam a desempenhar um papel significativo na política nacional.
5. São Paulo e Minas Gerais
É clássica a interpretação dos sistema político da Primeira República em termos do "eixo café com leite", isto é, as partes dos predomínio das oligarquias de Minas e São Paulo. De fato, a importância política de Sãos Paulo, apesar de grande, nunca esteve à altura de seu crescente peso econômico e demográfico. O Partido Republicano Paulista apoiou todos os candidatos presidenciais vitoriosos desde 1898, exceto Hermes da Fonseca, mas somente Campos Sales (1898-1902), Rodrigues Alves (1902-1906) e Washington Luís (1926-30) eram daquele estado. A esta ausência da presidência nos períodos de 1910 a 1926 correspondeu uma participação reduzida nos ministérios, tal cosmo os dados de Love evidenciam.
Existem duras formas de explicar esta aparente marginalização de São Paulo. Uma é argumentar que indicadores tais cosmos cargos presidenciais ou ministeriais não são adequados, e que somente dados referidos a decisões específicas na arca de política econômica poderiam indicar a marginalização do estado. Assim, Valéria Pena argumenta a favor da existência de um poder político efetivo de São Paulo, baseada nos fatos de que em certos momentos o Banco dos Brasil dedicou cerca de 70% de seus recursos para apoiar a cafeicultura paulista.(39) Outra possibilidade é argumentar que, considerandos a descentralização dos sistema político na Primeira República, o acesso aos poder central não era realmente muitos importante para os propósitos da elite econômica e política paulista. Mário Wagner Vieira da Cunha, por exemplos, argumenta que a autonomia dos estados era muitos alta nos inicio, mas tendeu a decrescer mais para os final da Primeira República. A autonomia dos estados
amplia-se na República a ponto de livremente contraírem os estados empréstimos no estrangeiro, de cobrarem impostos de exportação, criarem barreiras fiscais interestaduais e manterem suas próprias forças armadas.
A transferência do centro dinâmico da economia mundial para os Estados Unidos, no entanto, fez com que surgisse
a necessidade de um entendimento de nação a nação, caindo quase em desuso o apelo a banqueiros particulares. A conquista da presidência da República apresentou-se como necessidade ineludível para a garantia econômica das oligarquias estaduais.(40)
Parece certo que setores paulistas. controlavam, efetivamente, a maioria dos mecanismos econômico-administrativos relacionados com os interesses do café. Já vimos que o Acordos de Taubaté, que inicia uma política econômica nacional a respeito dos produtos, foi uma iniciativa paulista. A primeira instituição governamental criada para controlar este setor da economia foi o Instituto Paulista de Defesa Permanente do Café, que controlava o fluxos do produto para o Porto de Santos e financiava o armazenamento do excedente. Este instituto funciona de 1924 a 1931, mas a partir dai surgem organizações nacionais que controlam, com autonomia crescente, a economia cafeeira: o Conselho Nacional do Café (1931-3), o Departamento Nacional do Café (1933-46), o Departamento Econômico do Café (1946-52) e, finalmente, o Instituto Brasileiro do Café. Como evidencia muito bem Elisa Pereira Reis em suas pesquisas sobre o assunto, a nacionalização do controle da política do café foi uma reivindicação da própria lavoura cafeeira, que ao mesmo tempo em que conquistava o apoio federal para seus interesses econômicos ia alienando sua capacidade de ação e decisão próprias.(41)
Um outro indicador da concentração de poder no governo central pode ser visto se observarmos que na República Velha os impostos à exportação eram lançados pelos próprios estados e representavam cerca de 40% das rendas estaduais no período 1915-29. Ás importações, no entanto, eram taxadas pelo governo central e representavam cerca de 40 a 50% de sua renda até 1929.(42) Dado que a capacidade para importar é função da capacidade de exportar, a diferença entre os dois tipos de impostos representava de fato um mecanismo de transferência de renda dos estados exportadores para aqueles onde a força política podia influenciar na alocação de recursos federais. Esta situação era, sem dúvida, sentida e m São Paulo, onde a parábola da locomotiva e seus 20 vagões era corrente.
Em 1924 uma revolta militar surge em São Paulo, em articulação não muito perfeita com grupos militares do restos do país.(43) A revolta encontra apoio da Câmara de Comércio, cujo presidente, José Carlos de Macedo Soares, dá um testemunho vivo das queixas do estado:
Tinha São Paulo o direito de abandonar a Federação ao domínio - por vezes exclusivo - de estadistas menos adiantados, de permitir a politicagem utilitária do empreguismo desanimando todas as coragens cívicas, pelo apoio sistemático aos mandões regionais pela expropriação injusta dos mandatos? Pois bem a abstenção de São Paulo não se limitou aos cargos de nomear, que tem constituído o alvo e a ambição dc quase todos os homens públicos do país. Perdemos totalmente a influência legislativa, tanto na Câmara federal quanto no Senado. Fomos completamente excluídos de um dos poderes da República pois no Supremo Tribunal Federal, a esta hora, não ha um único juiz de São Paulo. Entretanto deles dizia Rui Barbosa: podemo-nos consolar da fraqueza de seus políticos, ao menos, com a serenidade impoluta dos seus magistrados. Não temos um só representante no Conselho Superior do Comércio. Na Diplomacia, como na Magistratura, na Marinha, como no Exército, nos poderes do Estado, por toda parte, em todos os postos de influência e de autoridade, São Paulo está sistematicamente excluído.(44)
O que é notável neste texto é a clareza com que distingue dois tipos de política que existiam nos país. Um, "o alvo e ambição de quase todos os homens públicos do país", são os "cargos de nomear", de estabelecer clientelas pela distribuição de empregos. Neste tipo de política o cargo públicos era algo para ter e gerir, para aumentar os prestígio e a riqueza dos políticos - uma espécie de patrimônio pessoal. O que os paulistas queriam, nos entanto, era outra coisa. Eles tinham seus próprios patrimônios, e estavam interessados em controlar os mecanismos de decisão, em poder influenciar as ações governamentais no sentido de facilitar e ajudar na consecução de seus objetivos econômicos próprios e privados. Para os paulistas, a política era uma forma de melhorar seus negócios; para quase todos os outros, a política era o seu negócio. E é nisto que reside a diferença e, em última análise, a marginalidade política daquele estado.
Outra expressão dos descontentamento paulista no período aparece em um livro publicado em 1930 por um altos funcionário da Secretaria de Finanças de São Paulo.(45) Fazendo usos de abundante informação estatística, ele sustenta que, no período 1922-4, São Paulo contribuiu com cerca de um terços do orçamento federal, enquanto que Minas recebia a maior parcela destes recursos. Entrando em detalhes, ele mostra, por exemplo, que em 1928 o Estado de São Paulo era responsável por 88% do sistema ferroviários estadual, enquanto em Minas Gerais, que possuía uma rede um pouco maior, 70% eram de propriedade federal. Naquele anos, Minas concentrava 28% da rede ferroviária federal em seu território, ao passo que somente 4% do total eram localizados em São Paulo. Sua análise cobre os gastos federais em correios, saúde e educação. Em todos os itens a conclusão é a mesma: a participação mineira nos gastos federais não tem relação com sua reduzida contribuição para a receita. Em um curioso apêndice, os autor chega a colocar em dúvida os dados que atribuíam a Minas Gerais uma população superior à de Sãos Paulo: com efeito, argumenta, dada a disparidade dos produtos entre os dois estados, ou os dados sobre população seriam um artifício dos políticos mineiros para conseguir mais recursos, ou os mineiros seriam preguiçosos e improdutivos.(46)
O estudo de Minas Gerais como uma região especifica dentro do sistema político nacional só tem adquirido maior relevância nos últimos anos. Em um trabalho muito citado de duas décadas atrás, Cid Rebelo Horta mostrava como a edite social e econômica mineira estava interligada em uma pequena rede de cerca de 30 famílias.(47) Estas 30 famílias controlavam a política do estado do nível local ao nacional, aonde faziam chegar sua influência.
A pesquisa recente de John Wirth sobre Minas Gerais(48) contribui de maneira decisiva para desfazer os mito de que a elite política mineira era, na República Velha, essencialmente rural. Ele mostra como esta elite era constituída, no seu topo, por um grupo de pessoas altamente educadas, e que viviam preferencialmente em centros urbanos. Estes homens tinham, certamente, vínculos estreitos com o campos, mas não estavam nos governos como representantes dos interesses rurais, com os quais não raro conflitavam. Em períodos de dificuldade econômica, seu poder político crescia, por sua especialização em atividades de mediação política entre o governo nacional e os grupos locais.
Comparado com São Paulo e Rio Grande do Sul, o Estado de Minas Gerais era economicamente mais débil e dependente do governo central. Esta seria a explicação de por que os mineiros se transformaram em especialistas em política local. Paradoxalmente, diz Wirth, "Minas não tinha outra escolha a não ser desempenhar um papel central em questões de interesse nacional".
O trabalho de Wirth traz ainda, incidentalmente, nova luz sobre a questão do papel da Igreja Católica na política de Minas Gerais e do Brasil. Geralmente pensa-se no catolicismo mineiro cosmo apenas um outro aspecto do tradicionalismo predominante no estado. Wirth mostra, nos entanto, que a elite política mineira tendia a ser leiga e agnóstica - e, neste sentido, coerente com a tradição predominantemente secular da liderança política brasileira. O catolicismo mineiro, em sua forma mais militante, foi na realidade o resultado de um movimento revivalista intenso, que levou a firmar o predomínio da Igreja Católica em questões de educação e que seria a base para a grande influência religiosa na educação brasileira estabelecida durante o Governo Vargas, dentro de um pacto entre a Igreja e o Estado promovido por Francisco Campos.
Em síntese, a estrutura familística fechada da elite política mineira, seu caráter educado, leigos e urbano, e sua participação tão ativa na política nacional são argumentos contra as teorias que buscam explicar sua influência política pelo seu controle da terra e dos sistemas de poder local. Na realidade, ela tipifica a estrutura de poder político estabelecida através do controle de mecanismos de mediação e controle das agencias de poder público, que na literatura brasileira aparece com o nome de coronelismo.
6. A Revolução de 1930 - Fatos e Ideologias
A sociedade e o sistema político brasileiro se tornam cada vez mais complexos quando avançamos além de 1930. Nesse ano, Vargas vem para o poder nacional após governar o Rio Grande, dando início a uma nova era na história do país. O ano de 1930 é geralmente considerado como marco inicial dos Brasil moderno, e, na realidade, os anos 30 evidenciaram um aumento significativo de vários índices de modernização. Dados precisos sãos difíceis de obter, já que não houve um censo nacional em 1930 e os de 1920 e 1940 não são comparáveis em uma série de aspectos. Estima-se, no entanto, que a população urbana dos pais aumentou de 10% para cerca de 30% de 1920 a 1940;(49) os gastos governamentais, que se mantiveram praticamente estáveis em termos per capita de 1907 a 1943, cresceram no entanto, substancialmente, em termos absolutos, depois de 1930.(50) Depois de 1930, os itens referidos a "gastos sociais" começaram a surgir no orçamento federal de forma individualizada, chegando a 10% do orçamento em 1940.(51) A estrutura ocupacional da população não mudou significativamente: o emprego na agricultura desceu de 69 para 61,1% entre 1920 e 1940, enquanto que o emprego industrial cresceu somente 1%, de 13% em 1920.(52)
Interpretações sobre a Revolução de 30 abundam,(53) já que existe uma noção corrente de que o entendimento de como o Brasil moderno se inicia é essencial, se queremos saber como o país é hoje. Os principais fatos podem ser resumidos em alguns itens. Primeiro, a revolução surge em função de uma crise no arranjo segundo o qual caberia a Minas Gerais a sucessão do paulista Washington Luís, uma vez que este queria eleger seu conterrâneo Júlio Prestes. Os principais estados entram em conflito: Minas Gerais e Rio Grande do Sul contra São Paulo e o governo federal. Era, aparentemente, o momento de São Paulo firmar sua hegemonia nacional. O candidato oficial e paulista ganha as eleições, mas termina por perder o poder para Vargas.
Segundo, a vitória de Vargas não foi, certamente, um simples fruto da campanha revolucionária, que durou 21 dias, de 3 a 24 de outubro. Ela foi decidida no dia em que os alto comando resolveu depor Washington Luís, mantendo, assim, relativamente intata a instituição militar. De qualquer forma, o impacto revolucionário da oficialidade jovem, os "tenentes", é grande, e eles vão constituir o grupo que circunda a Vargas, não como liderança especificamente militar, mas como liderança política e civil.
Terceiro, a campanha eleitoral de 1930 foi caracterizada pela presença da Aliança Liberal, que, pela primeira vez, apresentou uma plataforma criticando as oligarquias estaduais e a ineficiência governamental.(54)
Quarto, a Revolução de 1930 surgiu em um contexto de crise econômica gerada notadamente pelo impacto da crise mundial de 1929 sobre o comércio do café.
Existem duas interpretações predominantes dos movimento de 1930, segundo Bóris Fausto. A primeira se baseia em um modelos supostamente marxista. Para ele, o Brasil tradicional se caracteriza por um sistema feudal e um governo central dependente de suas bases rurais. Este sistema tradicional entra em contradição com uma burguesia urbana nascente, abrindo este confronto, no futuro, os caminho para a ascensão política do proletariado. Adaptada ao contexto de uma economia de exportação dependente do mercado internacional, esta interpretação identifica, em sua forma mais simples, o "feudal" com a agricultura extensiva de exportação, dentro de uma situação de dependência colonial ou semi-colonial; assim, a revolução burguesa aparece ao mesmo tempo como nacionalista e anti-imperialista. É desta forma que muitos autores vêem a Revolução de 30 como a tomada de poder pela burguesia, senão diretamente pelo menos em termos das conseqüências "objetivas" da política por ela seguida. Um exemplo típico parece ser o de Octávio Ianni, que diz que
a Revolução de 30, a despeito de não ter sido alimentada preponderanternente pelas burguesias industrial e financeira nascentes, nem pelo proletariado incipiente, deve ser interpretada como um momento super-estrutural da acumulação primitiva, que funda a industrialização posterior.(55)
Esta é uma afirmação que se baseia na ocorrência de uma intensificação das atividades industriais no país depois de 1930. Mas este tipo de explicação ex-post-facto traz problema quando o autor deve explicar como o Estado que hipoteticamente mais se beneficiou da "acumulação primitiva" era também o centro da oposição a Vargas. A solução consiste, nos caso, em considerar que a oposição paulista, e mais especificamente a Revolução Constitucionalista de 1932, "não é um movimento contra-revolucionário senão com referência aos ideais dos componentes não-burgueses da Revolução de 30"... (56)
Um outro modelo substitui a burguesia pelas classes médias como fator dinâmico e explicativo da revolução. Entretanto, não se trata apenas de uma variante menor do primeiro, já que suas implicações são bem distintas. Os teóricos das classes médias pensam menos em termos do processo econômico de industrialização que no processo social de modernização, e "classes médias" ou "setores médios" são conceitos suficientemente amplos para abranger todos os grupos emergentes que não sejam um setor da elite política e/ou agrária, nem totalmente assimiláveis a ela.
O descontentamento crescente de jovens militares após 1920 é visto por muitos como um indicador do surgimento do setor médio, até então excluído do sistema político, e que agora passava a reivindicar maior participação. A Revolução de 1930 é entendida como um movimento essencialmente de classe média, que abriu as portas do sistema políticos a estes novos setores.(57) O que chama a atenção enquanto diferença essencial entre os dois tipos de explicação não é tantos apontarem para grupos sociais diferentes como principais atores da Revolução de 30, mas os fatos de apresentarem uma imagem diferente do papel do sistema políticos no processo de mudança. No primeiro caso, os fenômeno políticos nada mais é que um epifenômeno, modificado e explicado pela confrontação de dois setores do sistema econômico do país. No segundo caso, entretanto, os setores médios são vistos menos como uma classe econômico-social que como um estrato social que possui demandas de consumo, participação e poder politico. A participação política e o poder político são buscados não como meios para satisfazer os interesses econômicos de um dado setor da economia, mas como um objetivo em si mesmo, do qual derivariam outras formas de participação econômica e social. A esfera política passa a ter, assim, um poder de ação e uma força explicativa inadmissíveis no modelo anterior.
Estas duas teses apontam para duas abordagens intelectuais e ideológicas distintas na compreensão da história brasileira e, o que é mais importante, refletem duas tendências nos desenvolvimento da sociedade brasileira, geralmente consideradas como alternativas, mas nunca, cosmo deveriam ser, como um processo simultâneo de desenvolvimentos contraditório.
Como teorias explicativas, nenhuma das duas teses se sustenta. A tese das "classes médias" compartilha com a da "revolução burguesa" os dom da irrefutabilidade. Fora dos extremos superior e inferior da sociedade, todos são "classe média," um truísmo que não tem demasiado valor explicativo. A insistência em teorias de "classes médias" para a explicação de movimentos sociais na América Latina, incluindo a presença dos militares na arena política, é provavelmente uma seqüela de um esquema conceitual que não consegue sair das poucas alternativas de explicação baseadas em três ou quatro classes sociais e suas permutações. "Classes médias" ou, melhor ainda, "setores médios", é uma categoria residual que pode ser usada quando as outras explicações classistas evidentemente não o podem. Mas este tipo de pseudo-explicação vem algumas vezes de algo mais profundo do que esta dificuldade teórica e conceitual, como estamos vendo.
O trabalho de Bóris Fausto é bastante convincente, quando demonstra a impossibilidade das interpretações classistas do movimento de 1930. Teoricamente, no entanto, a análise historiográfica bem cuidada cede lugar a uma discussão não muito clara sobre as teorias "dualistas" de desenvolvimento político, tornando difícil compreender a ligação que o autor busca estabelecer entre as interpretações "dualista" e "classista" da história política brasileira.(58)
Na realidade, os pormenores das duas teorias importam menos do que o contexto ideológico em que surgiram e se desenvolveram. É suficiente assinalar a este respeito que, enquanto as teorias da "revolução burguesa" se originam de uma tradição de pensamento marxista que compartilha com a ideologia liberal a visão do sistema político cosmo algo passivo ou meramente "super-estrutural", as teorias da "classe média" partem de uma visão muitos mais voluntarista e ativista a respeito da ordem política, muito relacionada, na década de 30, com as experiências fascistas e totalitárias do período. Virgínio Santa Rosa, por exemplo, toma as experiências bolchevista e fascista como exemplos da criação de estruturas de Estado eficientes e racionais, dirigidas pela intelectualidade e pelos setores médios, preocupadas com a destruição das estruturas tradicionais de poder; um exemplo que recomenda para o Brasil.(59) Azevedo Amaral, em uma outra vertente, vê o poder local no interior brasileiro como a força telúrica nacional, que, em aliança com os setores revolucionários, teria condições de limpar o país das oligarquias regionais, responsáveis por infestarem a nação com a idéia de um Estado liberal exótico e fictício. A Revolução de 30, neste contexto, é vista como um esforço de aproximação da nação com as suas fontes reais e como o começo de uma nova era. Este componente romântico encontra-se ausente de outros autores da mesma linha de pensamento, porém todos concordam com a idéia de um Estado Central que poderia vir a recuperar a sua autonomia após várias décadas de controle pelas oligarquias regionais.(60)
Estabelecido como um compromisso entre as oligarquias regionais e um grupo de jovens oficiais e intelectuais modernizantes, surgindo num momento em que ocorria um acréscimo nos níveis de participação política no país, o regime de Vargas logo afastou de si os grupos mais militantes, que se filiaram seja ao movimento integralista,(61) seja ao movimentos da Aliança Nacional Libertadora. Apesar da violenta oposição ideológica entre estes dois movimentos, ambos compartiam duas características importantes: tinham grande penetração nos meios estudantis e militares, e culminaram em tentativas fracassadas de golpe de Estado. (O voluntarismo e o tipo de recrutamento social do movimento comunista e aliancista na década de 30 talvez expliquem por que, enquanto a vertente de inspiração mais fascista e autoritária produzia uma abundante e rica literatura a respeito da sociedade brasileira nos anos 30, a interpretação marxista do período só tenha surgido no Brasil na década de 50 ou 60.)
7. A Nova Centralização
Disputas ideológicas à parte, o fato é que o regime inaugurado em 1930 constituiu, na verdade, uma mudança radical em relação aos anteriores, em termos de uma maior centralização e concentração do poder político. Seus lideres, um grupo extremamente jovem em relação ao regime deposto, não eram representantes nem da "burguesia", nem das "classes médias em ascensão". Eles se identificavam claramente com a tradição política e militar do Rio Grande e respondiam de forma difusa, incerta e indecisa às demandas oriundas dos setores mais urbanizados do país por medidas de bem-estar social e um aumento da eficiência e força administrativa, militar e econômica do Estados nacional. Ao mesmo tempo, tratavam de manter uma situação de equilíbrio e composição com as elites políticas remanescentes dos período anterior e que tinham aderido a Vargas.
As eleições presidenciais durante a Primeira República eram em geral não-competitivas (Rodrigues Alves em 1902, Afonso Pena em 1906, Epitácio Pessoa em 1918, Washington Luís em 1926). Quando existia competição, as divisões eram em geral inter-regionais, quase nunca dentro dos estados. Rui Barbosa, derrotado duas vezes em eleições competitivas, tinha sua base no Estado da Bahia, e Vargas se apoiou em 1930 em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. O quadro seguinte apresenta dados para a comparação entre estas eleições competitivas.(62)
O ano de 1910, como já vimos, presenciou a primeira eleição competitiva na República, da qual participou cerca de 1,6% da população total do país. Em 1914 o comparecimento foi de 2,14%, mas em 1926 (não indicado no quadro), houve somente um candidato, fazendo com que o comparecimento caísse para 2,06%. Somente em 1930, com a campanha da Aliança Liberal, é que o comparecimento supera o nível dos 5%. Ás eleições de 1930 foram as que mostraram maior competitividade dentro dos estados, e isto foi mais acentuado no Rio de Janeiro, onde o candidato vitorioso recebeu somente 51% dos votos. Em geral, no entanto, a pauta de uni-partidarismo em nível estadual é a mesma tanto nos estados vencedores quanto nos estados vencidos, com uma característica adicional: o nível de participação cresceu, em geral, nos estados opositores. Isto vem corroborar a noção de que a competitividade tende a ampliar o âmbito de participação política e significa um início de mudança em relação à norma até então absoluta de participação extremamente limitada.(63)
A ampliação da participação e a tentativa de firmar a hegemonia paulista em detrimento de Minas Gerais levaram a uma situação na qual o antigo sistema da República Velha não pudesse mais se manter, mas São Paulo nem por isso deixou de perder. O regime de Vargas acentuou cada vez mais a concentração do poder no nível federal, dando nova importância à presença dos militares no governo e aumentando a dependência das oligarquias regionais em relação ao governo central.
Benedito Valadares, que se transformou para muitos no símbolo do político mineiro oligarca e tradicional, dá um testemunho bastante francos a respeito de como iniciou e desenvolveu sua carreira política sob a sombra de Vargas, depois de 1930.(64) O elementos principal de sua estratégia política era a absoluta lealdade pessoal a Getúlio Neste pontos ele se opunha frontalmente à liderança política mineira do período anterior, cosmo por exemplos Antônio Carlos, que contava ainda com o direito à presidência que cabia a Minas Gerais depois de Washington Luís; e à nova liderança, representada por Virgílio de Melo Franco e mesmo Francisco Campos e Gustavo Capanema, que tiveram frustradas suas pretensões maiores à liderança política estadual e nacional.(65)
A indicação de Valadares para a interventoria em Minas foi uma grande surpresa para todos, e marcou os fim das pretensões autonomistas das elites do estado. Pelo seu depoimento, sua nomeação teria tido como causa inicial sua participação, certamente pouco notada, na luta contra os paulistas na Revolução Constitucionalista de 1932. Ele não se preocupa em justificar sua posição na defesa do regime varguista, e os fato de que fosse recompensados com a designação como representante pessoal de Vargas em Minas Gerais é suficiente para que ele sinta que tinha razão quanto aos benefícios da lealdade ao chefe. É curioso ver como Benedito Valadares justifica ter procurado a Getúlio depois da morte do presidente de Minas, Olegário Maciel. Para ele, esta morte
foi um choque tremendo, pois, além de o estimar muito, ficara desarvorado, sem o chefe ou guia tão necessário aos moços na vida pública. Artur Bernardes estava do outro lado, Antônio Carlos tinha seus preferidos. Os novos se engalfinhavam na competição politica...(66)
É então que Valadares busca Getúlio Vargas "procurando uma orientação," no Rio, e sai do encontro virtualmente como os homem de Getúlio em Minas. Uma vez no poder, ensaia algumas tentativas de agir por conta própria, e é particularmente ativo nas articulações que poderiam talvez levá-lo à presidência nas eleições programadas para 1938. Todo seu trabalho é no sentido de conseguir candidatos único, que seria ele, mas quando percebe que o golpe de 1937 está em marcha, adere. Benedito Valadares permaneceria na direção do estado até 1945, quando assume a liderança nacional do Partidos Social Democrático. É na sombra de Benedito que outros pessedistas, políticos mineiros famosos como Juscelino Kubitschek, Israel Pinheiro e José Maria de Alkimin, se desenvolveram e cresceram.
Este é, em resumo, o segredo do político mineiro que sobrevive à República Velha; não exatamente o representante das oligarquias rurais, não a expressão de interesses econômicos mal dissimulados, mas os agente do chefe do Estado, agindo de forma aberta, ou por trás da cortina, mas sempre num contexto onde os principal trunfos é os acesso aos centro dominante de poder econômicos e político, o governo federal. Menos do que um representante da oligarquia mineira, Benedito Valadares foi, na realidade, um dos principais instrumentos de seu debilitamento e redução de suas aspirações à liderança e autonomia. É bem verdade que, mais tarde, esta tática voltaria a trazer glória a Minas Gerais, com o predomínio político do PSD e o Governo de Kubitschek. Mas foi unia glória efêmera, baseada não no desenvolvimento de forças próprias, mas nos acesso aos benefícios e privilégios do governo central, que não poderiam ser mantidos indefinidamente.
Se em Minas Gerais a transição para a nova centralização varguista foi relativamente fácil, em São Paulo a situação era muitos mais difícil, não somente pelo fato de São Paulo ter estado nos lado perdedor da Revolução de 1930, mas principalmente porque havia muitos poucos em comum entre a nova liderança nacional e os interesses econômicos deste estado. Warren Dean conta, como anedota ilustrativa, o fato de que, quando João Alberto vem a São Paulo logo após 1930, trata de resolver os problemas trabalhistas no estado convocando um empresários e um trabalhador de cada empresa para uma reunião, não se dando conta de que a audiência chegaria a 11 mil...(67)
Em geral, a política econômica dos novo governo era liberal em termos econômicos, apoiando eventualmente demandas populistas que não agradavam em nada aos setores industriais de São Paulo. W. Dean resume a situação dizendo que
a mudança mais notável no ambiente econômico nos anos 30 foi a crescente intervenção do governo. Mas esta intervenção não tinha em vista acelerar o processo de industrialização, já que as alternativas possíveis da economia de exportação ainda não haviam se esgotado.(68)
Quando, depois de 1937, a perspectiva liberal se transforma em uma política explícita de crescimento econômico e industrialização, o caminho adotado não foi apoiar o sistema industrial paulista, e sim manter a iniciativa sob controle governamental. O governo não poderia, certamente, ignorar os recursos técnicos e humanos existentes em São Paulo, o que proporcionou uma certa identidade de interesses e uma aproximação entre governo e setores industriais; mas a iniciativa empresarial e o comando da situação permaneceram sempre sob a direção do primeiro.
Em 1932 já havia desvanecido a esperança daqueles que, mesmo em São Paulo, apoiaram a revolução liberal esperando que dela adviesse uma maior descentralização e o restabelecimento das autonomias regionais. Muitos aliados de Vargas em 30 se colocaram nas barricadas paulistas da Revolução Constitucionalista de 1932. Um deles era o gaúcho João Neves da Fontoura, líder da Aliança Liberal;(69) outro, o paulista Júlio de Mesquita Filho; outros ainda, Borges de Medeiros, líder do Partido Republicano do Rio Grande, que havia colocado Vargas na liderança do estado e apoiado sua candidatura à presidência. Uma vez nos poder, com efeito, a lógica da situação parecia ser tal que a nova centralização conduzia, inevitavelmente, à alienação da liderança política mais tradicional. Campeões do federalismo mas promotores da centralização - tal parece ter sido o destino do político gaúcho...
As tendências no sentido de um aumento do poder do Executivo, de uma participação cada vez maior do Estado na vida social e econômica do país, da cooptação contínua das lideranças locais em todos os níveis e da subordinação da vida econômica ao processo político seriam firmemente estabelecidas durante o regime Vargas. Ao mesmo tempo, no entanto, as divisões inter-regionais se transformavam gradualmente em divisões intra-regionais e nacionais, em um processo iniciado no Rio de Janeiro e que continuaria a ser um fenômeno essencialmente urbano. A combinação de uma forte centralização com um sistema eleitoral de participação de massas deu as raízes do que se chamou mais tarde "populismo", e que predominaria após 1945.
Notas
1. Um breve relato da criação do Exército brasileiro é dado por Paiva, E. S. de, "A organização do Exército brasileiro," In: Holanda, S. B. de, 1960, p. 265~77. Uma história detalhada da criação da Marinha de Guerra no Brasil é dada por Maia, p. (1965), que evidencia suas origens portuguesas. Nunca houve perfeita harmonia entre o Exército nacional e a elite politica civil, que tratou de limitar seus poderes por vários meios, incluindo a criação da Guarda Nacional no século XIX, e a manutenção de polícias militares autônomas nos estados durante a República Velha, e mesmo posteriormente.
2. Klein, Lúcia Maria Gomes e Lima Júnior, Olavo Brasil de, 1970. p. 62-8.
3. Ver a respeito os dados apresentados por Klein, Lúcia Maria Gomes e Lima Jr., Olavo Brasil de, 1970, p. 67; e Carreira, Liberato de Castro, 1883. Para uma discussão ampliada do processo de formação do Estado brasileiro, ver Carvalho, José Murilo de, 1975, particularmente o cap. 6, "State-buildlng activity: the extent of national power."
4. Dados sobre a equivalência entre as moedas brasileira e inglesa podem ser encontrados em Onody, O., 1960.
5. Faoro, R., 1958, p. 141 e seguintes.
6. Cf. Parahyba, M. A. de A. G., 1970.
7. Klein, Lúcia Maria Gomes e Lima Júnior, Olavo Brasil de, 1970, p. 80.
8. Ibid. p. 81. Para um quadro similar mas discrepante, ver Carvalho, José Murilo de, a sair, cap. 5.
9. O trabalho historiográfico mais exaustivo sobre o período é, seguramente, a trilogia de Edgard Carone. Cf. Carone, E., 1969, 1970 e 1971.
10. Iglésias, F., 1958.
11. Ibid. p. 39.
12. Ibid. p. 47.
13. Carvalho, José Murilo, 1979.
14. Cunha, Euclides da, 1940.
15. Cf Cintra, A. O., 1971; Queirós, M. I. p. de 1956-7 e Duarte, N., 1939. Ver também Cintra, A. O., 1974.
16. Dados de Ramos, A. G., 1961, p. 32; Love, J. L., 1971, p. 119; e do Tribunal Superior Eleitoral, 1964-70.
17. Carone, E., 1969, p. 288.
18. Carone, E., 1971, p. XIII e XVI.
19. análise seguinte se baseia em grande parte nos materiais reunidos e apresentados por Boehrer, G. C. A., 1954 Trata-se de uma descrição detalhada da organização do movimento republicano no Brasil estado por estado, seguida de uma análise dos principais temas e pontos de conflito das plataformas republicana. É curioso como o autor assume, desde o inicio, que o movimento republicano se transformaria em um partido nacional, quando a realidade foi que os partidos estaduais permaneceram separados durante toda a República Velha.
20. A República, 13 dezembro 1870, citada por Boehrer, G. C. A., 1954, p. 37.
21. Cf. Magalhães, I. M., 1970, p. 173-8.
22. Carta aberta publicada em A Província de São Paulo, 4 agosto 1877, citada por Boehrer, G. C. .A.,p. 86.
23. Do manifesto transcrito em Boehrer, G. C. A., p. 266.
24. Para uma análise aprofundada dos aspectos demográficos, econômicos e políticos da abolição, ver Reis, E. M. Pereira, 1979, especialmente o cap. 2, "The Abolition of Slavery and Modernization in Late Nineteenth Century Brazil"
25. Boehrer, G. C. A., p. 98 e seguintes.
26. Ibid. p. 103.
27. Do Manifesto de 1888. transcrito em Boehrer, G. C. A., p. 233-4.
28. Boehrer, G. C. A., p. 229 e 283. Para a influência do positivismo no pensamento e na política brasileira, cf. Costa, João Cruz, 1956; Lins, Ivan, 1967; Paim, Antônio, 1974. Para o impacto do positivismo no âmbito científico e acadêmico, cf. Schwartzman, 5., 1979.
29. Existe bastante evidência de que os republicanos radicais apoiavam a ação política dos militares, e um exemplo disto é o apoio de Silva Jardim a Sena Madureira, na Questão Militar, conforme mostra Boehrer, G. C. A., p. 279-80. (Ver a discussão sobre a Questão Militar mais adiante.)
30. Love, J. L., 1971, p. 154. Grande parte da análise que se segue é baseada neste excelente estudo. O melhor trabalho sobre os militares na Primeira República é o de Carvalho, J. M. 1977.
31. Love, J. L., (ibid. p. 24) cita Silveira Martins dizendo que o "Partido Liberal Rio-Grandense se move como um regimento de Frederico, o Grande". Ver também Uricoechea, Fernando, 1978, para uma análise que confirma a importância especial da tradição militar gaúcha no século XIX.
32. Citado por Love, J. L., p. 31.
33. Cf. Boehrer, G. C. A., 1954, p. 286, e id. 1966, p. 43-57.
34. O nome "maragato", atribuído aos federalistas, parece ter sido originário de um lugar denominado Maragataria, uma passagem na fronteira Brasil-Uruguai. Este nome sugere que os federalistas mantinham fortes laços com aquele país, transferindo-se livremente para o outro lado da fronteira, onde podiam obter suprimentos, santuário, e também um mercado ilegal para seu gado. O próprio Silveira Martins nasceu no Uruguai. Para uma descrição dos conflitos entre Republicanos e Federalistas, ver Love, 1. L., 1971, cap. 3.
35. Love, J. L., 1971, p. 131.
36. Ibid. quadros 3, p. 123.
37. Carone, E., 1971, p. 256.
38. Ibid. p. 265. Pinheiro Machado é a figura central na análise que Love faz do papel do Rio Grande na República Velha. Ver principalmente o cap. 6 de seu livro, "Pinheiro and his party" (Love, J. L., 1971).
39. Pena, M. V. J., 1971, p. 43. A fonte é de um artigo de Juarez Távora publicados em O Estado de São Paulo e citado também por Fausto, B., 1970. p. 76. Vindo de um tenente revolucionário, o artigo pretendia ser um ataque às pretensões de poder em São Paulo.
40. Vieira da Cunha, M. W., 1963, p. 19-20. Para uma análise dos vínculos de São Paulo com o sistema econômico-financeiro internacional, ver Love, J. L.. 1973.
41. Ver esta discussão mais ampliada no capítulo anterior. Cf. Reis, E. M. Pereira, 1972 (p. 13 e seguintes) e 1979.
42. Silva, F. A. R da, 1971, p. 235-82.
43. Para a história da Revolta de 1924 , ver Carone , E., 1971, p. 373 e seguintes.
44. Soares, J. C. M., 1925, p. 12.
45. Romeiro, M. O., 1930.
46. Ibid. p. 102.
47. Horta, C. R., 1956.
48. Wirth, John D., 1977. Ver também Martins, A. Viana, 1978 c Fleischer, David V., 1972, 1977.
49. Um sumário do desenvolvimento sócio-econômico do país, a partir de 30, encontra-se em Schmitter, P. C., 1971, cap. 2, p. 20-46. Esta estimativa da urbanização é de Geiger, P. P., 1962.
50. Silva, F. A. R da, 1971, p. 245.
51. ibid. p. 256.
52. Schmitter, P. C., 1971, quadro 2.1, p. 23. Para dados mais detalhados sobre a industrializa ção nos anos 20 e 30, cf. Fausto, B., 1970, p. 19-28.
53. A bibliografia sobre a revolução de 30 é bastante extensa. A respeito do Tenentismo, ver entre outros Santa Rosa, V., 1933; Wirth, J. D., 1964; Silva, H., 1968.
54. Várias formas de organização política foram criadas posteriormente pelos setores mais radicais do movimento revolucionário, incluindo as Legiões de Outubro, o Clube 3 de Outubro e a Legião Revolucionária. Para uma análise destes movimentos, e mais especificamente do último. cf. Flynn, P., 1970, p. 71-106.
55. Ianni, O., 1965, p. 135-6.
56. Ibid. p. 138.
57. Os teóricos das classes médias Incluem a Santa Rosa, V., 1963, Ramos, A. G. 1961, e Jaguaribe, H., 1962. Para um sumário, ver Fausto, B. 1970, e Franco , C. A. P. M. et alii., 1970.
58. Um exemplo dos erros trazidos pela interpretação classista do movimento de 30, citado por Bóris Fausto, é o de Andrew Gunder Frank, que entre outras coisas tenta explicar o papel político do Rio Grande em 1930 pela presença de imigrantes europeus e certa industrialização incipiente no estado. Cf. Fausto, B., 1970; Franco, C. A. P. M. Oliveira, L. L., e Hime, M. A. A., 1970; Frank, A. G., 1967.
59. Santa Rosa, V., 1933.
60. Amaral, A., 1934. Para uma bibliografia completa e uma análise em profundidade de sua obra, ver o trabalho de Alcântara, A. B., 1967. Para um panorama de nomes e temas na história do pensamento social brasileiro, ver Santos, W. G., 1967.
61. Sobre o integralismo no Brasil, ver Trindade, Hélgio, 1974.
62. Sou grato à colaboração de Irene Rodrigo Otávio Moutinho no trabalho de levantamento dos resultados eleitorais na República Velha, pela utilização de inúmeras fontes, entre as quais os Anais do Congresso Nacional (Apuração da eleição de presidente e vice-presidente realizada a 1 de março de 1910). Os resultados eleitorais deviam ser confirmados pelo Congresso, o que era feito por critérios estritamente partidários. De forma geral, a análise dos dados eleitorais durante o período sugere que o montante de fraudes talvez seja melhor indicador de força política do que os próprios resultados oficiais. Rui Barbosa, por exemplo, foi capaz de demonstrar, para sua satisfação, que a vitória eleitoral seria sua, não fosse a falsificação de resultados. Em resumo, dados precisos sobre as eleições deste período são ao mesmo tempo difíceis de obter e pouco significativos politicamente.
63. Cf. Schattschneider, E. E., 1960, cap. l.
64. Valadares, B., 1966.
65. Sobre a política mineira nos primeiros anos da década de 30, cf. Bomeny, Helena Maria Bousquet, 1980.
66. Valadares, B., p. 36
67. Relatado por Dean, W., 1969, p. 183.
68. Dean, W., p. 205. Ver também, no mesmo autor, a descrição dos conflitos entre o Minas tério do Trabalho e os industriais paulistas logo após a revolta de 1932. p. 191-2.
69. Ver Fontoura, L. N. Da, 1963, para a narrativa de sua participação no movimento de 1930.
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Um comentário:
necesidad de comprobar:)
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